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Josias de Souza

Em nove anos, governo recupera menos do que foi desviado em 2011: R$ 1,5 bi contra R$ 1,8 bi

Josias de Souza

05/01/2012 05h45

Levantamento da Controladoria-Geral da União revela: entre 2002 e 2011, o governo detectou desvios de R$ 7,7 bilhões em convênios celebrados pelos ministérios com Estados, municípios e ONGs. Apenas no ano passado, a corrupção roeu R$ 1,8 bilhão do Tesouro.

Estudo da Advocacia-Geral da União informa: no mesmo intervalo de tempo, o governo conseguiu reaver cerca de R$ 1,5 bilhão em verbas desviadas. Quer dizer: o dinheiro recuperado em nove anos não cobre nem o montante malversado no ano passado.

Embora eloquentes, as cifras expõem apenas parte do flagelo. O descompasso entre a velocidade do roubo e a lentidão da resposta do Estado é ainda maior. Por quê? Os dados da CGU iluminam apenas as fraudes detectadas por meio de um expediente chamado de Tomada de Contas Especiais, as TCEs.

Os dados da AGU incluem as TCEs. Mas englobam também outros tipos de ações judiciais abertas com o propósito de recuperar  ativos –de casos de improbidade a cobranças de créditos rurais e previdenciários.

Considerando-se apenas as tomadas de contas especiais, a CGU remeteu ao Tribunal de Contas da União 12.337 processos desde 2002. Desse total, 9.236 resultaram, por ora, em ações judiciais da AGU. Significa dizer que 3.101 casos aguardam na fila de julgamentos do TCU ou resultaram na absolvição dos acusados.

De resto, as estatísticas armazenadas nos computadores da AGU não permitem separar com precisão o quanto da verba restituída ao Tesouro refere-se aos processos sujeitos ao crivo do TCU. Só a partir de 2009 esse tipo de processo passou a ser contabilizado separadamente.

Desde então, a AGU protocolou na Justiça 3.134 ações decorrentes de acórdãos do TCU. Coisa de R$ 1,2 bilhão. Não se sabe, porém, quanto desse valor foi recuperado. A contabilidade é feita globalmente. Promote-se para 2012 um refinamento dos dados.

A AGU instituiu um sistema de códigos que permitirá identificar a origem de cada ativo recuperado. Por enquanto, há apenas dados globais. Somando-os, chega-se ao valor mencionado lá no alto: cerca de R$ 1,5 bilhão efetivamente recuperados.

No último dia 9 de dezembro, Dia Internacional do Combate à Corrupção, realizou-se em Brasília um seminário. Nesse encontro, André Luiz Mendonça, diretor do Departamento de Patrimônio e Probidade da AGU estimou a demora entre o ajuizamento de uma ação e a sentença judicial: em média, sete anos.

"Todas as instituições têm que trabalhar para reduzir esse tempo entre a prática da fraude e a recuperação de recursos", disse André Mendonça. "Esse trabalho não é simples. Temos pedido o bloqueio das contas dos devedores. É isso que vai garantir que, ao final, tenhamos um resultado efetivo."

Nesta quarta (4), o blog ouviu Tércio Issami Tokano. Coordenador-geral de Defesa da Probidade, ele ocupa momentaneamente a cadeira de André Mendonça, que está de férias. Tércio adicionou explicações que permitem concluir que a demora não se deve apenas à conhecida morosidade do Judiciário:

"Diria que há uma dificuldade em identificar as irregularidades. Há um descompasso cronológico entre a data dos desvios e a constatação pelos órgãos competentes. Tirando alguns poucos casos em que há denúncias, a descoberta leva um bom tempo", disse Tércio.

Ele acrescentou: "Quando você descobre a irregularidade, no mais das vezes, não é mais possível fazer a recuperação patrimonial. É muito fácil obter sentenças. Reunidos os elementos, não tem juiz que negue a indisponibilidade dos bens e a condenação. O problema é transformar a sentença em devolução efetiva do dinheiro."

Nos casos que envolvem desvios em convênios, explicou Tércio, a AGU não pode reivindicar a interdição dos bens dos acusados senão após decisão definitiva do TCU. Procurado pelo repórter, Luiz Navarro, secretário-executivo da CGU, ecoou Tércio:

"O principal gargalo é o tempo", afirmou Navarro. "Suponha um convênio de transferência de verba para uma prefeitura. O dinheiro é transferido e a prestação de contas é feita a posteriori. Há uma certa demora na análise da prestação de contas, porque existe um estoque. Quando você vai analisar a prestação de contas, pede ao prefeito que se explique, estabelece prazos."

Navarro prossegue: "Às vezes há dificuldades para notificar o acusado, que já deixou a prefeitura. Depois, se nada disso funciona, instaura-se a Tomada de Contas Especial. Quem conduz é o ministério. Depois, vem para a CGU, que vê se a coisa foi conduzida de forma correta."

E então? "Bem, se o procedimento foi mal instruído, a gente pede ao ministério que complemente. Depois, vai para o TCU, para julgar. Só então a AGU pode executar. Nesse período, o indivíduo tenta se livrar dos bens, passa para o nome de outros. O que dificulta ainda mais na hora da execução."

A coisa já foi bem pior. Começou a melhorar no final de 2008, quando foi criado o "Grupo Permanente de Atuação Pró-Ativa da AGU". É composto por 110 advogados. "Esses profissionais passaram a se ocupar exclusivamente da recuperação de ativos", afirmou Tércio.

"Antes, os advogados da União faziam tudo, a defesa processual, que representa 90% do nosso trabalho, e também as cobranças. Só que acabavam não fazendo bem feito nem uma coisa nem outra. Promovemos a especialização desses 110 advogados. E os números começaram a melhorar."

Em 2003 e 2004, o índice de recuperação de ativos da AGU era de ridículos 0,06%. Em 2010, passou a irrisórios 6,93%. No ano passado, subiu para modestos 15,3%. O indicador é imperfeito. Compara os valores dos processos ajuizados em cada ano com as cifras restituídas ao Tesouro no mesmo ano.

O problema é que o dinheiro recuperado se refere a processos ajuizados em exercícios anteriores. Ou seja: está-se comparando abacaxi com morango. Seja como for, a despeito da imperfeição estatística, é esse o índice com o qual trabalha a AGU.

No final do ano passado, o grupo de atuação pró-ativa criado em fins de 2008 foi reconhecido pelo Instituto Innovare como uma prática inovadora no combate ao crime organizado. Algo que leva o coordenador-geral Tércio a flertar com o otimismo:

Estamos perdendo a guerra contra a corrupção?, perguntou o blog a Tércio. E ele: "Não diria isso. A corrupção é problema crônico, enraizado na cultura do país. Mas penso que a sociedade está começando a despertar para a importância desse tema."

Na opinião de Tércio, as recentes manifestações anticorrupção, "ainda que tímidas, ressoam no Poder Público, levando-o a aperfeiçoar os métodos de controle." Pode ser. Porém, considerando-se os dados disponíveis, o eco resultou em avanços tímidos. Que contrastam com a ousadia da delinquência.

Tome-se, por eloquente, um caso de 2011. A AGU celebrou no ano passado a recuperação de R$ 330 milhões surrupiados. Desse valor, R$ 55 milhões vieram do Grupo OK, do ex-senador Luiz Estevão. Dinheiro desviado da obra do TRT de São Paulo.

O escândalo já fez aniversário de dez anos. Na origem, os desvios foram contabilizados em R$ 169 milhões. Em valores de hoje, a coisa soma algo como R$ 950 milhões. Como se vê, o desvio mora na vizinhança. O ressarcimento judicial dos danos mora muito longe.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.