Planalto teme que revolta de PMs vire ‘nacional’
Relatórios confidenciais dos órgãos de "inteligência" do governo fizeram acender uma luz amarela no painel de controle do Palácio do Planalto. Indicam que os ingredientes que converteram a greve da Polícia Militar da Bahia em crise de segurança estão presentes em outros Estados.
Brasília passou a recear que a crise baiana ganhe contornos nacionais. Em parte, deve-se a esse temor a decisão de exibir na Bahia a musculatura federal da Força Nacional de Segurança e, sobretudo, do Exército.
A Anaspra (Associação Nacional dos Praças) programa para esta semana uma reunião de emergência. O objetivo do encontro foi insinuado em nota oficial veiculada nesta segunda (6), no site de uma entidade de Pernambuco.
Chama-se ACS-PE (Associação Pernambucana dos Cabos e Soldados Bombeiros Militares). Sob o título "alerta geral", o texto (disponível aqui) pede a PMs e bombeiros que fiquem "atentos", anuncia a convocação iminente de uma "assembléia geral" e anota no rodapé:
"Há uma possibilidade de movimento nacional, a qual deverá ser definida ainda esta semana em reunião extraordinária com todos os integrantes da Associação Nacional de Praças."
Pernambuco é um dos Estados mencionados nos relatórios lidos nos gabinetes do Planalto e nos ministérios da Justiça e da Defesa. Mencionam-se também, entre outros, Alagoas, Rio Grande do Norte, Acre, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
No Rio, como que farejando o cheiro de queimando, o governador Sérgio Cabral (PMDB), adotou método diverso do colega baiano Jaques Wagner (PT). Decidiu antecipar um pedaço do reajuste que concedera no ano passado em 48 parcelas.
A coisa fora anunciada nas pegadas da greve de bombeiros que produzira cenas de insubordinação análogas às que ocorrem agora na Bahia. A poucos dias do Carnaval, Cabral apressou-se em veicular uma nota no site do governo estadual.
O texto (leia aqui) reproduz declarações do governador. Cabral presta contas. Afirma que policiais e bombeiros do Estado terão um total de 107% de aumento salarial, somando-se os reajustes dados pelo governo desde 2007 até os que já estão garantidos para 2012 e 2013.
Na origem, a encrenca que envenena os quartéis de vários Estados traz as digitais do governo federal. Foram impressas numa negociação feita no Congresso durante a gestão Lula. Envolveu uma proposta de emenda constitucional, a PEC-300.
Apresentada em 2008, a proposta previa a criação de um piso salarial para todos os policiais militares e bombeiros do país. Passariam a receber contracheques iguais aos da PM do Distrito Federal, ao redor dos R$ 4 mil. Um salto, considerando-se que a média nacional não chega a R$ 2 mil.
A mesma proposta previa a constituição de um fundo de R$ 12 bilhões para que os Estados implementassem o aumento. Estipulava, de resto, que a União complementaria os salários nos Estados que não tivessem caixa para bancar a novidade.
Ao descer à calculadora, o governo estimou em cerca de R$ 40 bilhões a despesa que o Tesouro teria caso o projeto virasse lei. Decidiu-se empurrar o projeto com a barriga. De repente, no ano eleitoral de 2010, os ventos viraram.
Submetidos a uma pressão de entidades classistas, deputados governistas e oposicionistas passaram a pressionar pela votação da emenda. Às voltas com o esforço para fazer de Dilma Rousseff sua sucessora, Lula autorizou a abertura de negociações.
Articula daqui, discute dali chegou-se a uma fórmula intermediária. Retirou-se da emenda o valor do piso. Considerou-se que seria absurdo anotar o salário de uma categoria no texto Constitucional. Suprimiu-se do projeto também o fundo e a previsão de complementação da União.
Acertou-se que esses detalhes seriam definidos num projeto de lei, que o governo enviaria ao Congresso 180 dias depois da aprovação da emenda constitucional. Feito o acordo, a proposta escalou o plenário da Câmara.
Em 7 de julho de 2010, a três meses da eleição em que Dilma prevaleceu sobre o tucano José Serra, a PEC-300 foi aprovada por unanimidade na Câmara. O painel eletrônico registrou 349 votos a favor. Nenhum contra.
Como toda mudança constitucional, a votação precisa ser confirmada num segundo turno. Algo que, decorridos quase dois anos, jamais foi feito. O governo voltou a acionar a barriga. Passada a sucessão presidencial, o Planalto não demonstra a mais remota intenção de concluir a votação.
O presidente petista da Câmara, Marco Maia (RS), constituiu no ano passado uma comissão especial composta por 25 deputados. Alegou que era necessário envolver os governadores no debate sobre a emenda que seus pares aprovaram por unanimidade.
Para assegurar que a protelação fosse duradoura, Marco Maia incumbiu a comissão de se debruçar não apenas sobre a PEC-300, mas sobre vários projetos relacionados à segurança pública. Propostas que dormitavam nos escaninhos do Legislativo.
Prestes a anunciar um corte no Orçamento que deve chegar à casa dos R$ 60 bilhões, o governo não se vê em condições de concluir a apreciação da emenda. Na semana passada, em reunião com lideranças do PT e do PMDB, a ministra Ideli Sanvatti, coordenadora política de Dilma, foi informada de que a oposição trama ressuscitar a PEC-300.
Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB na Câmara repassou informação que recebera do colega ACM Neto (BA). Segundo Henrique, o líder do DEM avisara que sua legenda planeja inclusive recorrer à obstrução das votações para forçar a realização do segundo turno da PEC fardada.
É contra esse pano de fundo que cresce a revolta das corporações policiais. No caso da Bahia, uma revolta a mão armada. Depois de adoçar os lábios de PMs e bombeiros na negociação de 2010, o governo adiciona ao discurso da falta de caixa o argumento de que a atmosfera de motim descredencia o movimento.
No Congresso, a reação ao retorno da barriga não ficará restrita ao bloco oposicionista. O pseudogovernista Anthony Garotinho (PR-RJ), que já governou o Rio e não resolveu o problema salarial dos quatéis, planeja mobilizar o que chama de "bancada da polícia".
No ano passado, quando Antonio Palocci encontrava-se pendurado nas manchetes em posição constrangedora, Garotinho convertera o patrimônio amealhado pelo petista-consultor como argumento de chantagem.
"O momento político é esse", discursara o aliado tóxico numa reunião com colegas favoráveis à PEC-300. Temos uma pedra preciosa, um diamante que custa R$ 20 milhões, que se chama Palocci. A bancada evangélica pressionou e o governo retirou o kit gay. Vamos ver agora quem é da bancada da polícia. Ou vota, ou o Palocci vem aqui."
A "pedra preciosa" de Garotinho já não está na Casa Civil de Dilma. Mas, a julgar pelas reuniões que vem mantendo com policiais e bombeiros do Rio, Garotinho não parece disposto a desativar o garimpo.
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