Topo

Josias de Souza

Elio Gaspari e ‘o fracasso do projeto Uca Total’

Josias de Souza

08/02/2012 10h04

Ao transferir-se da cadeira de ministro da Ciência e Tecnologia para a poltrona da Educação, Aloizio Mercadante revelou particularidades do método Dilma de gestão. Apresentada a um novo projeto, disse ele, a presidente espanca-o. Refeito, acha-o bom. Mas duvida que fique em pé. Só na terceira versão a iniciativa tem alguma chance de decolar.

Epossado nas novas funções, Mercadante anunciou a intenção de despejar nas escolas públicas algo como 900 mil tablets. Considerando-se os maus resultados de uma experiência anterior, Dilma talvez devesse espancar um pouco mais a nova ideia.

Em artigo levado às páginas nesta quarta (8), o repórter Elio Gaspari revela: lançado sob Lula, em 2010, um projeto que trombeteava meta ambiciosa –"um computador por aluno"— resultou em desapontamento e desperdício de verbas. Vai abaixo o texto, encontrável no site do diário gaúcho 'Correio do Povo':

A doutora Dilma deveria mandar que sua Secretaria de Assuntos Estratégicos divulgasse o conteúdo do relatório final da 'Avaliação de Impacto do Projeto UCA Total (Um Computador por Aluno)', coordenado pela professora Lena Lavinas, da UFRJ. Ele está lá, a sete chaves, desde novembro passado. A providência é recomendável, sobretudo agora que o governo licita a compra de até 900 mil tablets. Com 202 páginas, relata um desastre.

A professora Azuete Fogaça, da Federal de Juiz de Fora, trabalhou na pesquisa e resume-o: 'Boa parte dos computadores não foi entregue nos prazos. Outros foram entregues sem a infraestrutura necessária para sua adoção em sala de aula. O treinamento dos docentes não deu os resultados esperados. O suporte técnico praticamente inexiste. Os laptops que apresentaram problemas acabaram encostados em armários ou nos almoxarifados, porque não há recursos'.

O programa UCA Total, lançado em 2010, comprou um laptop para cada um dos 10.484 alunos da rede pública de cinco municípios-piloto – Tiradentes (MG), Terenos (MS), Barra dos Coqueiros (SE), Santa Cecília do Pavão (PR) e São João da Ponta (PA). Uma equipe de 11 pessoas acompanhou a iniciativa.

Os computadores chegariam a escolas equipadas com Internet sem fio, e professores capacitados colocariam a garotada no mundo novo da pedagogia informatizada.

Em São João da Ponta, o sinal mal chegava à escola. Em Barra dos Coqueiros, chegava às praças públicas e, para recebê-lo, os estudantes saíam do colégio. Em Terenos não havia rede. Tudo bem, porque algum dia ela haverá de chegar. Até lá, alguns heroicos professores pagam as conexões de provedores privados com dinheiro dos seus bolsos.

Os laptops comprados pelo governo têm baterias para cerca de 1 hora. Como as aulas duram 5, como fazer para recarregá-los? (Uma tomada para cada carteira, nem pensar.) As prefeituras colocariam armários-alimentadores nas salas. Nem todos os municípios fizeram isso. Na Escola Estadual Basílio da Gama, em Tiradentes, não havia sinal, nem armários de recarga, e os laptops estavam encaixotados.

Deixou-se em aberto uma questão central: o aluno deve levar o computador para casa? Em três municípios, levavam. Num, foram instruídos a não trazê-los todos os dias.
Só metade dos alunos teve aulas para aprender a usar os laptops. Depois de terem recebido cursos de capacitação, 80% dos professores tinham dificuldade para usar as máquinas nas salas de aula. (Problema dos cursos, não deles, pois 91% tinham nível superior ou Curso de Especialização.) Uma barafunda.

As escolas estaduais não conversavam com as municipais e frequentemente não se conseguia falar com o MEC ou com a Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Não se diga que os laptops são trambolhos. A garotada adorou recebê-los e os professores tinham as melhores expectativas. As populações orgulharam-se da novidade. O problema esteve e está na gestão.

A única coisa que funcionou foi a compra de equipamentos. O professor Mario Henrique Simonsen, que conhecia o governo, ensinava: 'Às vezes, quando um sujeito te traz um projeto, vale a pena perguntar: 'Qual é a tua comissão? Dez por cento? Está aqui o cheque, mas prometa não tocar mais nesse assunto'. O programa 'Um Computador por Aluno' atolou, mas o governo dobrou a aposta, esquecendo-se da Lei de Simonsen.

"

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.