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Josias de Souza

Rebelados, governistas criticam o estilo de Dilma e apontam o ‘excesso de PT’ no time do Planalto

Josias de Souza

08/03/2012 05h30

A coalizão partidária que dá suporte congressual a Dilma Rousseff entrou em pane. Inaugurado com um manifesto assinado por 53 dos 76 deputados federais do PMDB, o curto-circuito provocou um apagão governista no plenário do Senado.

Os senadores do condomínio expressaram sua irritação sob o breu de uma votação secreta. A maioria gritou no silêncio do anonimato. As causas da exacerbação foram cochichadas longe dos microfones.

As queixas vão do atacado (cargos e verbas) ao varejo (o estilo "apolítico" de Dilma e o "excesso" de PT no Palácio do Planalto). Sobram queixas para as ministras Ideli Salvatti (coordenação política) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil).

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No final da tarde desta quarta-feira (7), o painel eletrônico do Senado registrava a presença de 77 senadores, quatro aquém do quorum máximo, que é de 81. Dos presentes, apenas 13 eram da oposição.

Foi a voto a recondução de Bernardo Figueiredo para o comando da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Escolhido pessoalmente por Dilma, o nome foi rejeitado por 36 votos contra 31. Houve uma abstenção. Nove dos 77 presentes nem se dignaram a registrar o voto.

Como que farejando o cheiro de queimado, Dilma convocara reunião de emergência com três ministros: Ideli Salvatti, gestora do balcão, e os titulares da Fazenda da Fazenda e do Planejamento: Guido Mantega e Miriam Belchior.

Acertara-se um afrouxamento no torniquete imposto às célebres emendas de parlamentares. Afora as verbas pendentes de anos anteriores, o governo passara na lâmina cerca de R$ 20 bilhões em emendas injetadas pelos congressistas no Orçamento de 2012.

Embora repassada a líderes do Senado, a informação de que Dilma autorizara a reativação do conta-gota$ não deteve a eletrificação. Escondidos atrás do segredo do voto oculto, os governistas, PMDB à frente, impuseram a derrota a Dilma.

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O Waterloo da agência de transportes reacendeu um drama que o Planalto imaginava superado. Sob Lula, a oposição, então com 27 cadeiras, associava-se a dissidentes governistas para emboscar o governo no Senado.

Nas eleições de 2010, a "onda Lula" fez murchar a representação oposicionista. Dilma recebeu um Senado de aparência tão dócil quanto a Câmara. Decorridos 15 meses de governo, a presidente vê-se ameaçada nas duas Casas.

Na gênese do fenômeno está uma certa nostalgia de Lula. Os próprios operadores do governo comparam Dilma ao antecessor. Enxergam defeitos onde Dilma vê virtudes. Acusam-na, por exemplo, de manietar os ministros partidários.

Nessa versão, Dilma controlaria os ministérios por meio dos secretários-executivos. Em algumas pastas, os segundos mandariam mais do que os ministros. Algo que inibe a exploração de uma engrenagem que, sob Lula, movia-se no ritmo da política.

Afora o ressurgimento da tese segundo a qual falta cintura a Dilma, renasceu no consórcio a cantilena sobre a suposta falência da coordenação política do governo. A equipe do Planalto é descrita como excessivamente petista e ineficiente.

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Antonio Palocci deixou saudades, disse uma liderança governista ouvida pelo repórter. No início da gestão Dilma, Palocci supria na Casa Civil o déficit político que todos atribuíam a Luiz Sérgio, o petista que antecedeu Ideli no balcão.

Apelidado de garçom, Luiz Sérgio era criticado por limitar-se a anotar os pedidos. Com Ideli, a coisa seria diferente. Além de tomar nota, prometera-se que ela providenciaria a entrega. A julgar pela proliferação das queixas, não funcionou.

Para complicar, Gleisi Hoffman, a nova chefe da Casa Civil, reabsorveu atribuições gerenciais das quais Palocci se livrara. Os parlamentares vêem nela uma espécie de Dilma da Dilma. Toca a máquina de costas para a política. E já não há Palocci, derrubado pela mistura de muito patrimônio com pouca explicação.

Ao bater em Ideli e Gleisi os governistas espancam Dilma. Ninguém ignora: se Ideli não entrega a mercadoria, é porque a chefe controla o estoque. Gleisi se abstém da articulação política porque Dilma direcionou-a para a burocracia.

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Rendida às evidências, Dilma voltou a dizer, nesta quarta, que abrirá as portas do Planalto e do Avorada para os políticos. Nas próximas semanas, planeja reunir-se com os mandachuvas de todas as legendas que a apoiam –ou deveriam apoiar.

De conversa mole estamos cheios, declarou ao repórter um expoente do PR. Desalojada do Ministério dos Transportes, a legenda reivindica a reocupação da pasta. Na votação de ontem, ajudou a adensar a rebelião do voto secreto.

A exemplo do PR, também o PDT espera que Dilma lhe devolva o Ministério do Trabalho. Na semana passada, 24 de seus 26 deputados federais votaram contra o projeto que cria o fundo de previdência dos servidores públicos. Nessa votação, até o PSB do governador pernambucano Eduardo Campos, sem pendências ministeriais, levou ao painel 16 traições.

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São evidência de que a insatisfação com o governo pulou o muro do PMDB. Para a próxima semana, arma-se uma nova armadilha contra o governo na Câmara. Envolve o Código Florestal. Vocalizando ordens de Dilma, Ideli encomendou ao líderes a manutenção do texto aprovado no Senado.

Foi avisada de que a insistência empurraria o governo à derrota. Insistiu. Não obteve senão o adiamento da votação. Agora, ruralistas infiltrados em múltiplas legendas articulam a derrubada de trechos do projeto que Dilma tacha de inegociáveis.

Trama-se devolver ao Código Florestal nacos de uma emenda do PMDB que levou o governo à ante-sala de uma crise. Trata-se da emenda 164. Prevê, entre outras coisas, a anistia de multas a desmatadores.

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Aprovada na Câmara no ano passado, sob aplausos do líder Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a emenda fez Dilma subir pelas paredes. Ainda na Casa Civil, Palocci telefonou para o vice-presidente Michel Temer.

Falando em nome da presidente, Palocci ameaçou de demissão o ministro da Agricultura da época, Wagner Rossi. Apadrinhado de Temer, Rossi endossou a emenda 164. Num diálogo entrecortado por expressões de calão rasteiro, Temer rodou a baiana. Recordou a Palocci que falava com o vice-presidente da República.

Passado o rififi, Plocci desculpou-se, Temer o perdoou e Rossi só deixou o governo meses depois. Caiu por suspeitas de malfeitos. Nada a ver com o Código Florestal. Agora, Temer assiste à rebelião de seu partido sem muito o que fazer.

Uma das razões invocadas pelo PMDB para acender o pavio da revolta é o alegado esvaziamento que Dilma impôs ao gabinete da vice-presidência. Uma lipoaspiração que, aos olhos dos sublevados da legenda de Temer, contrasta com o regime de engorda a que é submetido o PT na beirada das urnas de 2012.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.