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Josias de Souza

Collor lembra impeachment para realçar o risco que corre Dilma com o ‘azedume’ do Legislativo

Josias de Souza

15/03/2012 03h56

Apeado da liderança do governo por Dilma Rousseff, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) escalou a tribuna para despedir-se das funções. Foi aparteado por 22 colegas. Encaminhava-se para o fim do pronunciamento quando Fernando Collor (PTB-AL) pediu a palavra.

Collor repisou os elogios que os demais senadores haviam dirigido a Jucá. E declarou-se preocupado com a eletrificação das relações do Planalto com o Congresso. Vive-se, segundo ele, "um momento extremamente delicado". Fez menção à troca de líderes que Dilma promoveu nas duas Casas legislativas.

"Não vejo com tanta tranquilidade, como alguns estão vendo, essa transição e essa mudança de lideranças. Não enxergo assim. Gostaria de estar errado. Mas é um momento extremamente delicado. Muito delicado."

Fez uma referência indireta à votação que levou à derrocada de Jucá –a rejeição do nome indicado por Dilma para continuar no comando da Agência Nacional de Transportes Terrestres. "Os acertos de um governo são sempre do presidente. Os erros do governo, em geral, são descarregados sobre os ombos dos líderes que não conseguiram aprovar as matérias para cá enviadas pelo Executivo."

Com voz grave e semblante crispado, Collor disse que "a base do governo está sentindo o gosto de um certo azedume." Acha que o duto de comunicação do Planalto com o Legislativo "precisa ser reaberto."

Insinuou que Dilma faz ouvidos moucos para a chiadeira que intoxica o Legislativo: "Esses canais de entendimento do Planalto com esta Casa e com a outra precisam estar desobstuídos. É fundamental que o Planalto ouça esta Casa e a outra".

Súbito, Collor despejou história sobre o microfone: "Digo isso com a experiência de quem, exercendo Presidência da República, desconheceu a importância fundamental para o processo democrático e para a a governabilidade do Senado e da Câmara."

Como que decidido a sinalizar a Dilma os riscos que corre um governo quando dá de ombros para o Parlamento, Collor aditou: "Esse asfastamento do Legislativo brasileiro redundou no meu impeachment."

Em timbre professoral, lecionou: "A classe política brasileira carece única e exclusivamente de algo fácil, e isso eu só vim a perceber depois, que é a consideração, a atenção. Muitas vezes não fazemos questão de ter uma solicitação atendida pelo Planalto. Mas precisamos de consideração até para receber um não."

Collor incovou o Padre Eterno: "Queira Deus que essas mudanças que agora foram promovidas, que se espraiam pelos ministérios, que essas mudanças venham sendo iluminadas e que a presidenta Dilma esteja agindo com acerto."

Numa espécie de reedição atualizada do bordão que lançou no período pós-impeachment, Collor condicionou a avaliação sobre o tirocínio de Dilma ao avanço da folhinha: "O futuro próximo nos dirá!"

Declarou-se um torcedor apreensivo: "Eu torço para que as coisas caminhem bem e o trem não saia dos trilhos. Mas não posso deixar de dizer que tenho muitas preocupações."

Collor tem razão apenas até certo ponto. Em parte, foi escorraçado do Planalto porque não teve apoio Congressual. Não deixou de dar a "consideração" das verbas e dos cargos. Mas restringiu os privilégios a uma minoria. De resto, esqueceu de maneirar na perversão. O que açulou as ruas.

No primeiro reinado de Lula, o governo também se absteve de maneirar. Muita gente considera que o mensalão fez de Collor um aprendiz. A diferença é que Lula, além de caprichar na "consideração" com os aliados, dispunha de suporte sindical e social. Embora desejasse, a oposição não ousou levar a encrenca ao asfalto.

Seja como for, Collor, hoje um senador "de couro duro", fez soar no plenário do Senado a voz da experiência. Ficou entendido que Dilma pode fazer o que quiser. Mas a história ilumina os riscos.

Eleita por uma megacoligação viciada sob Lula e sob os antecessores, Dilma flerta com o imponderável ao tentar impor um racionamento tão desejável quanto arriscado. Os partidos que se animaram a apoiá-la não desejam senão "consideração e atenção". De preferência, na veia.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.