Alianças eleitorais estimulam a tese segundo a qual os candidatos são farinha do mesmo saco
A cortina da eleição municipal de 2012 ainda não abriu. Por ora, a platéia apenas ouve os ruídos da arrumação do palco. Em São Paulo, se por qualquer descuido o pano se abrisse antes do tempo, o público flagraria uma cena insólita.
Antes que alguém tivesse tempo de gritar –"fecha, fecha, pelo amor de Deus!"—apareceria o deputado federal Valdemar Costa Neto sendo puxado por um braço pelo petista Fernando Haddad e por outro pelo tucano José Serra.
Valdemar, como se sabe, é do PR. Partido da República, eis o nome escondido atrás da sigla. Em Brasília, é tratada por Dilma Rousseff como uma legenda leprosa, tisnada por práticas nada republicanas. Mas em São Paulo…
Em São Paulo, o PT de Dilma enxerga no PR um partido salubérrimo. Tão saudável que Haddad, o candidato de Lula à prefeitura da capital paulista, oferece à agremiação a honrosa posição de vice em sua chapa.
O problema é que, magoado com a recusa de Dilma em devolver-lhe o Ministério dos Transportes, o PR abriu-se para novos papéis no teatro paulistano. No momento, o PR aparece no palco fora da sua marca. Transita de um lado para outro. "A careca do Serra é linda", declarou dias atrás o senador e ex-ministro Alfredo Nascimento, presidente do PR.
Crítico feroz do modo como o petismo submeteu as engrenagens federais à voracidade de valdemares e outros azares, Serra deixa-se arrastar pelo laxismo no plano municipal. Tenta puxar o PR para o seu lado.
Entre atônitos e desalentados, os expectadores se perguntam: afinal, quem é adversário de quem na política? Como pode um partido ser acusado de corrupção em Brasília e, simultaneamente, ser tão cortejado em São Paulo?
A resposta é de uma simplicidade desconsertante. No show business eleitoral, o tempo de tevê de um partido vale mais que sua idoneidade. No modelo brasileiro, as batalhas que decidem as campanhas são travadas no vídeo.
Gastam-se rios de dinheiro, contratam-se publicitários e pesquisadores a peso de ouro para produzir os comerciais e os efeitos especiais que vão remodelar os candidatos. As chances de êxito são proporcionais ao tamanho da vitrine eletrônica.
Aliado de Serra, o governador tucano Geraldo Alckmin costuma dizer que, no Brasil, a campanha só é inaugurada de verdade quando o horário eleitoral começa a atrasar o início da novela. É na tevê que a guerra acontece.
Vem daí o fato de candidatos e partidos oferecerem a coerência em holocausto no altar das alianças. Nenhum fundamento doutrinário, nenhum princípio ideológico prevalece sobre os minutos de tevê de um potencial aliado.
Nesse jogo de vale tudo, tudo passa a valer nada. A cada eleição, potencializa-se na cabeça do eleitor a convicção de que a política é mesmo o território da farsa. Reforça-se a certeza de que seus operadores não merecem ser levados a sério.
No caso específico, Haddad e Serra perderam até o benefício da dúvida. Formalmente, quem conduz as negociações em nome do PR é o vereador Antônio Carlos Rodrigues, primeiro suplente de Marta Suplicy (PT-SP) no Senado.
Porém, ninguém ignora que Antônio Carlos é mero preposto de Valdemar. Nada evolui no PR de São Paulo sem o aval desse personagem. Um personagem tóxico. Sob Dilma, foi acusado de mandar mais que o ministro nos negócios dos Transportes.
Sob Lula, beliscou as 'valerianas' que o fizeram réu no processo do mensalão. Sob Itamar Franco, tinha predileção pelo fisco. Numa época em que geriram a pasta da Fazenda Fernando Henrique Cardoso e Rubens Ricúpero, Valdemar mandava e, sobretudo, desmandava na alfândega do Aeroporto de Cumbica.
Numa declaração de 1995, Valdemar explicou o porquê do apreço pelo fisco: "Você imagina se tem um cara com problemas na Receita. Você chega e pergunta se o cara pode te arrumar uns 3.000 votos. Você livra o cara e está eleito".
Foi didático também ao discorrer sobre a alfândega: "O pessoal chega do exterior e pede para liberar a bagagem […]. Às vezes eu mandava um fax pedindo a liberação." Nessa ocasião, farejaram-se episódios malcheirosos no posto da Receita em Cumbica.
Valdemar, obviamente, nada tinha a ver com a encrenca. Apressou-se em enviar um fax ao então ministro Ricúpero. No texto, declarou-se vítima de "insinuações maldosas". Reiteraria o argumento no mensalão e no caso dos Transportes. É esse ator que Haddad puxa por um braço e Serra por outro.
Valdemar é, talvez, o negociador mais sintomático. Mas não é o único. O petismo esforça-se também para restabelecer em São Paulo o diálogo com o PCdoB de Orlando Silva, apeado dos Esportes por Dilma em meio a um cipoal de denúncias.
Alckmin já providenciou para Serra o apoio do PP de Paulo Maluf, que dispensa apresentações. Ex-inimigo de Mário Covas, o padrinho político de Alckmin, Maluf, logo ele, é convertido pelo tucanato em herói da resistência.
Na semana passada, Haddad recordou que Gilberto Kassab (PSD), aliado de Serra em São Paulo e de Dilma em Brasília, traz na corrente sanguínea o DNA malufista. Foi secretário de Planejamento de Celso Pitta, acusou. Vivo, Bussunda diria: Fala séééério!
O prefeito Kassab, que no enredo de sua própria sucessão faz o papel de homem-elástico, achegou-se à boca do palco em fevereiro. Rasgou as cortinas, pediu a atenção do público e iniciou: "Eu apoiarei…" Antes que pudesse pronunciar o nome de Haddad, foi puxado violentamente para trás por Serra. Preterido, Haddad reposiciona-se em cena.
Quando estiverem concluídos os últimos retoques no cenário, o pano abrirá em definitivo. Os candidatos pedirão o seu voto. Está entendido que o eleito vai ratear a máquina da prefeitura seguindo o mesmo padrão patrimonialista de sempre.
Logo, logo você vai submeter os seus botões a uma inquirição: se é assim, se ninguém é inimigo de ninguém, se tudo não passa de jogo de cena, como escolher o candidato? Pior: de que vale o voto? Pior ainda: se todos são tão assemelhados, por que votar?
As indagações vêm em reforço de uma conhecida tese. A tese segundo a qual os políticos brasileiros são todos "farinha do mesmo saco". Cientificamente, a igualdade absoluta é uma impossibilidade genética. Convém ao eleitor procurar os traços de distinção. Mas é preciso reconhecer: os candidatos realizam um esforço inaudito para expor as diferenças que os igualam.
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