Ministério da Pesca comprou 28 lanchas, pagou R$ 31 milhões e não sabe o que fazer com elas
Criado sob Lula, o Ministério da Pesca ainda não conseguiu demonstrar sua utilidade prática. Uma operação de compra realizada pela pasta potencializa a suspeita, hoje generalizada, de que seria melhor para o país que não existisse.
O ministério comprou 28 lanchas. Custaram ao Tesouro Nacional a bagatela de R$ 31 milhões. Auditoria do Tribunal de Contas da União constatou que pelo menos 23 das embarcações jamais foram utilizadas. Sem conservação, correm o risco de virar sucata.
Alega-se que as outras lanchas estão sendo usadas. Mas o TCU não conseguiu comprovar: "Não é possível precisar se as cinco estão, de fato, em atividade", anota o relatório de autoria, cuja íntegra está disponível aqui.
As lanchas foram adquiridas por meio de dois pregões eletrônicos. No primeiro, realizado em 2008, compraram-se cinco. No segundo, ocorrido em 2009, o ministério tornou-se feliz proprietário de mais 23 lanchas. O TCU aponta indícios de direcionamento das licitações e superfaturamento.
Quando as lanchas começaram a ser compradas, em dezembro de 2008, ainda sob Lula, o ministro da Pesca era o petista catarinense Altemir Gregolin. As últimas embarcações ficaram prontas em março de 2011, já sob Dilma Rousseff.
Nessa época, respondia pelo ministério a também petista de Santa Catarina Ideli Salvatti, agora titular da pasta das Relações Institucionais. Caberá ao carioca Marcelo Crivella (PRB), recém-nomeado ministro da Pesca sem saber colocar minhoca no anzol, decidir sobre o que fazer com as lanchas.
No papel, a compra das embarcações foi justificada sob a alegação de que serviriam para fiscalizar a costa brasileira e coibir a pesca ilegal. O problema é que, pela lei, não cabe ao Ministério da Pesca exercer tais atividades.
As repartições que têm a atribuição legal de monitorar a costa são: o Comando da Marinha do Brasil, o Ibama e as Políciais Militares dos Estados. Alegou-se que o Ministério da Pesca celebraria convênios com esses órgãos, cedendo-lhes as lanchas.
Pela lógica, os órgãos deveriam ter sido consultados previamente, para saber se tinham interesse em firmar os tais convênios. Deu-se, porém, o oposto. O ministério comprou as lanchas primeiro e perguntou depois.
De acordo com o relatório do TCU, o ministério não se preocupou em contatactar os órgãos com os quais imaginava fazer convênios nem mesmo para saber "se necessitavam de lanchas-patrulhas para realizar a fiscalização da atividade pesqueira"
Caso as respostas fossem positivas, prossegue o documento, a prudência recomendaria perguntar "quais seriam as características ideais do equipamento." Mais: "se os órgãos teriam a infraestrutura e os recursos humanos necessários para operar as embarcações licitadas."
Sucedeu o óbvio: o Ministério da Pesca "teve grande dificuldade para celebrar os acordos de cooperação técnica." Os auditores constataram que a pasta "não conseguia dar destinação às lanchas que iam sendo fabricadas e entregues pelo fornecedor."
Chama-se Intech Boating o fabricante das lanchas. Trata-se de empresa sediada na Santa Catarina do ex-ministros Gregolin, responsável pela defagração das aquisições.
Sem ter o que fazer com as lanchas, o ministério distribuiu-as a superintendências da pasta nos Estados. Ficaram paradas por meses a fio, à espera da celebração de convênios com órgãos que se dispusessem a usá-las.
Concluída a fabricação das primeiras cinco lanchas, o fabricante teve de se oferecer como fiel depositário de duas delas para receber a última parcela do pagamento. A despeito da inatividade das embarcações, o ministério não se deu por achado.
Encomendou a fabricação de mais 23, em 2009. "Nessa ocasião, nenhuma lancha estava em operação e já havia sinais claros da dificuldade de se firmarem parcerias com órgãos interessados em auxiliar o ministério na fiscalização da pesca", escrevem os auditores no relatório do TCU.
O texto acrescenta: realizado o segundo pregão, o ministério poderia ter retringido "as requisições de fabricação de novas unidades à sua capacidade de colocá-las em atividade. Porém, não foi o que aconteceu."
As primeiras cinco lanchas foram pagas com verbas enfiadas no Orçamento da União por meio de emendas de parlamentares. Foram patrocinadas pelas bancadas do Maranhão e do Pará.
Para quê? Apoiar e omplementar a "infraestrutura aquícola e pesqueira no Maranhão". Apoiar o "funcionamento de unidades integrantes da cadeia produtiva pesqueira do Pará."
O TCU verificou que quatro das cinco lanchas foram parar noutras praças: a Santa Catarina do então ministro Gregolin, o Ceará e o Rio Grande do Sul. "Apenas uma foi entregue em Belém (PA), mas nunca chegou a operar regularmente."
O fabricante das lanchas já encaminhou três correspondências ao Ministério da Pesca. Nos textos, alerta para os riscos de deixar paradas as embarcações, "sem cuidados mínimos de limpeza e conservação."
As cartas informam que "a falta de uso pode reduzir exponencialmente a vida útil das embarcações e elevar em muito as despesas com manutenções corretivas, em razão do 'ambiente agressivo [a água do mar] em que se encontram'."
Em novembro do ano passado, quando a auditoria foi concluída, a empresa Intech Boating era "fiel depositária de 13 lanchas". Assumira o ônus da conservação como "condição para receber, antes da entrega definitiva dos bens, o pagamento pelas unidades já construídas."
Porém, em ofício dirigido à pasta da Pesca, o fabricante pediu o reembolso de despesas de "guarda e conservação" das lanchas. Coisa de R$ 265,4 mil, em valores atualizados até setembro de 2011.
A empresa "não apresenta documentação comprobatória dos gastos discriminados nem demonstra a modicidade dos valores pagos", anotam os auditores do TCU. Prevê-se que o ministério terá de pagar a conta.
A certa altura do processo de fabricação, a Intech Boating chegou a manter em suas instalações 23 embarcações encomendadas pelo ministério. O TCU refere-se ao descalabro nos seguintes termos:
"Apesar de toda a dificuldade de colocar em operação as lanchas já construídas, o Ministério da Pesca continuou emitindo novas ordens de fabricação, a ponto de o estaleiro colocar-se na condição de fiel depositário de 23 das 28 embarcações licitadas."
O texto cnclui: "Um gestor médio teria suspendido a emissão de novas ordens de serviço assim que constatasse que não era capaz de definir a destinação das primeiras unidades fabricadas. Não foi o que os administradores do ministério fizeram. E, com isso, tornaram-se responsáveis pelas despesas incorridas pelo fiel depositário ao longo dos muitos meses pelos quais manteve a guarda das lanchas não entregues."
Diante de tais acintes, os ministros do TCU decidiram nesta quarta (28) converter a auditoria do tribunal numa tomada de contas especial. Os resposáveis pela encrenca, entre eles o ex-ministro Gregolin, terão 15 dias para se explicar. Cópia da auditoria será remetida ao Ministério Público Federal.
Logo que tomou posse, o novo ministro Marcelo Crivella, aquele que não sabe enfiar a minhoca no anzol, teve uma longa conversa com Altemir Gregolin. O ex-ministro das lanchas, que geriu a pasta por cinco anos, se dispôs a auxiliar Crivella na elaboração de um tal PAC da Pesca. Antes, talvez devesse ensinar o que fazer com as lanchas.
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