Topo

Josias de Souza

Cachoeira via em Demóstenes porta para Dilma

Josias de Souza

05/04/2012 18h11

Grande desmancha-prazeres do momento, o Guardião, sistema de escutas telefônicas da Polícia Federal, faz da política um picadeiro. Num grampo de 27 de abril de 2011, Demóstenes Torres foi pilhado num instante em que se preparava para dar um salto mortal duplo de costas.

O senador comunicou ao amigo-contraventor Carlinhos Cachoeira que cogitava pular do arqui-oposicionista DEM para o proto-governista PMDB. Para um artista circense, seria um pulo ousado. Para Demóstenes, sabe-se agora, não passaria de um movimento trivial. Sobretudo considerando-se os objetivos.

"O meu caminho é o PMDB, né?, porque se eu for pro PSDB o Marconi [Perillo, governador de Goiás] me almoça e janta. Não é verdade?", puxou conversa Demóstenes. "É PMDB mesmo", aprovou Cachoeira. "E fica bom demais se você for pro PMDB… Ela quer falar com você? A Dilma? A Dilma quer falar com você, não?".

"Por debaixo, mas se eu decidir ela fala", respondeu Demóstenes, aceitando gostosamente o papel de escada do contraventor para chegar à maçaneta do gabinete presidencial: "Ela quer sentar comigo se eu for mesmo. Não é pra enrolar". Cachoeira entusiasma-se: "Ah, então vai, uai, fala que vai, ela te chama lá."

Deve-se aos repórteres Andrei Meirelles e Murilo Ramos a revelação do conteúdo de mais esse grampo. Reportagem da dupla conta que Demóstenes posava de oposicionista em público e tricotava a conversão para o governismo em privado, numa negociação com os morubixabas do PMDB Renan Calheiros e José Sarney.

Os mesmos Renan e Sarney que Demóstenes, ainda na pele de defensor da ética, queria esfolar nas crises que eletrificaram o Senado em 2007 e 2009. Era como se São Jorge, a caminho de salvar a donzela, tivesse preferido casar-se com o dragão. Um detalhe atrapalhou as núpcias.

Migrando do DEM para o PMDB, Demóstenes viraria alvo de um processo que poderia levar à perda de mandato por infidelidade partidária. Considerando-se os dotes oratórios do senador, justificar o injustificável seria fácil. Mas os ganhos não justificavam o risco. A quadrilha de Cachoeira perderia o seu lobista mais insuspeitado.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.