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Josias de Souza

Líder do PT no Senado diz que associar a CPI com o mensalão é ‘erro brutal, uma estupidez’

Josias de Souza

17/04/2012 04h16

Líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA) diz que "não existe a menor possiblidade" de o Congresso refluir da decisão de instalar uma CPI mista para investigar o escândalo de Carlinhos Cachoeira e suas ramificações. Essa hipótese é "impossível", declarou Pinheiro, em entrevista ao blog.

Instado a comentar a tentiva do PT de associar a CPI ao caso do mensalão, o líder petista declarou: "Foi um erro brutal, diria mesmo uma estupidez." Acrescentou: "Achar que a gente ia fazer uma CPI e que essa CPI seria capaz de botar o STF de joelhos… É absurdo isso."

Pinheiro defende que a investigação seja ampla. Não se esquivou de falar de Agnelo Queiroz, governador petista do DF, nem da Delta, uma das construtoras com maior faturamento no PAC. Abaixo, a entrevista:

– Existe alguma possibilidade de a CPI do Cachoeira não ser instalada? Impossível. Não existe a menor possiblidade de isso acontecer. Eu, por exemplo, já assinei o requerimento.

– Como líder do PT, sente que seus liderados se arrependeram? Não. Tenho conversado com várias pessoas da bancada. Ouço algumas ponderações. Mas nenhum dos nossos companherios fez uma observação no sentido de que não deveríamos fazer o que estamos fazendo.

– Que ponderações são feitas? O Humberto [Costa, ex-líder, agora relator do processo contra Demóstenes Torres no Conselho de Ética] assinou, mas brincou comigo: 'Pinheiro, eu detesto CPI'. Eu disse a ele: também detesto. Veja minha história no Parlamento. Nunca fui membro de nenhuma CPI.' O Wellington [Dias, ex-governador do Piauí] me disse que está convencido de que tem que apurar, mas que CPI é uma desgrama. Eu concordei: 'É lógico. Ninguém sabe que bananas vão aparecer.'

– Não há o receio de contrariar o Planalto? Não ouvi qualquer ponderação nesse sentido de que o Planalto vai puxar a orelha ou temor de que gente do PT possa estar envolvida. Não tem nada disso. Não seria cabível.

– Antes de apoiar a CPI, na semana passada, consultou o Planalto? Com a presidenta [Dilma Rousseff] eu não estive hora nenhuma durante esse processo.  Durante a fase de consultas, conversamos com a SRI [Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, chefiada pela ministra Ideli Salvatti]. Mas tivemos um cuidado enorme para não misturar a posição da bancada com a posição do PT e, muito mais ainda, com a posição do Planalto.

– Participou da reunião em que o PT discutiu o assunto? Sou membro da Executiva do PT. Mas quando o partido foi discutir essa matéria, eu disse ao Rui [Falcão, presidente da legenda]: não vou à reunião. Disse a ele que é obvio que o PT pode adotar sua posição. Mas a decisão sobre os caminhos a trilhar na CPI vai ter que ser na bancada e não na Executiva do PT.

– O que achou da associação que Rui Falcão e o PT fizeram entre a CPI e o mensalão? Por isso tivemos a preocupação de não misturar posição de bancada com a de partido. Foi um erro brutal, diria mesmo uma estupidez. Como é que eu poderia fazer uma CPI como contraponto ao mensalão? O que é o mensalão hoje? É um processo no Supremo Tribunal Federal. Não tem CPI no mundo que retire essa banana do STF. O que ministros como o Ricardo Lewandowski [relator do inquérito contra Demóstenes Torres e revisor do processo do mensalão] e o Ayres Britto [novo presidente do STF) vão dizer? O que dirão os outros ministros? Ah, o Senado fez uma CPI e ficou demonstrado que temos que parar o julgamento do mensalão. Que maluquice!

– A seu juízo, são coisas distintas? É claro que sim. Como posso trocar uma CPI que não sei no que vai dar por um processo já instalado? A cobrança sobre as figuras do mensalão já existe. Não tem como não acontecer o julgamento. Inclusive, para essas pessoas, na minha modesta opinião, é melhor que o Supremo julgue logo isso. Se não julgar nesse ano, não terão nenhum dividendo. Na cabeça da sociedade, eles estavam envolvidos. Se não julgar, mais do que a dúvida, fica uma certeza na cabeça da população. Julga logo isso!

– Acha que convém ao partido que seja julgado? Sem dúvida nenhuma. Até para as pessoas citadas é bom que isso ocorra. Achar que a gente ia fazer uma CPI e que essa CPI seria capaz de botar o STF de joelhos… É absurdo isso.

– Houve interferência de Lula no processo de criação da CPI? Não comigo. Tomei cuidado também em relação a isso. Eu tinha assumido a liderança do partido e ainda não tinha visitado o Lula, que estava em tratamento de saúde. Na semana que eu iria visitá-lo, junto com o Jorge [Viana, do PT do Acre], começaram a sair as coisas relacionadas ao Demóstenes [Torres]. Eu comentei com o Jorge: se a gente for ao Lula agora, vão dizer que a gente foi não visitá-lo, mas consultá-lo.

– Não foram? Adiamos. Tinha a notícia de que ele faria o exame final, para atestar que o câncer havia sido curado. Combinamos que esperaríamos ele fazer esse exame.

– Depois desse exame, visitam o Lula, não? Ele fez o exame e nós fomos encontrá-lo numa quinta-feira. Não havia naquele momento nada sobre CPI no Senado. Nós tínhamos encaminhado ao procurador-geral [Roberto Gurgel], três dias antes, um pedido de acesso às informações [do inquérito contra Carlinhos Cachoeira] e uma requisição de abertura de processo contra o Demóstenes [Torres]. Ele tinha respondido na quarta, véspera da nossa visita ao Lula, que iria, finalmente, tomar as providências em relação ao Demóstenes.

– Na conversa com o Lula, ele fez algum pedido? No dia que conversamos com ele, eu e o Jorge, ele foi extremamente seco sobre esse negócio. Disse: 'vocês analisem, não quero trabalhar com essa lógica de vingança.' Ele até disse que Demóstenes tinha sido algoz dele e do governo dele o tempo inteiro. No momento em que conversamos, o que se tinha de mais forte era o tráfico de influência do Demóstenes. Todo mundo só falava em Demóstenes. Não tinha essa gama de informações que foram surgindo depois.

– Nos contatos com Ideli Salvatti, o que foi acertado? Quando veio a decisão do STF, em que o ministro Ricardo Lewandowski informou que não poderia enviar o inquérito a não ser que se instalasse uma CPI, a gente consultou a Ideli. Vínhamos conversando com ela. Dizíamos que, se não viesse a documentação para o Conselho de Ética, a gente teria que agir. Não tinha nada de Agnelo [Queiroz, governador petista do DF], não tinha vazado o que veio depois. Eu disse a ela: a lógica é a seguinte, Ideli, não sei quem está por trás, não tenho conhecimento do que vai vazar, nem quero ter. Quem tem que ter conhecimento é uma instância oficial. Queríamos que fosse o Conselho de Ética ou a Corregedoria do Senado. Se não for possível, nós vamos construir uma CPI.

– E ela? Ela me disse: 'aí vocês assumem o risco'. Eu respondi: óbvio. Pedi que ela conversasse com o governo. Fizemos uma questão de ordem no plenário. Descobrimos que, num processo contra o Luiz Otávio [ex-senador do PMDB do Pará], o ministro Maurício Correa [ex-membro do STF] tinha autorizado o envio da documentação para o Conselho de Ética. O advogado que nos assessora tinha alertado que os casos eram diferentes, que não havia segredo de Justiça no processo anterior. Fiz a questão de ordem mesmo assim. E decidimos tocar a CPI.

– Parece inevitável que, nessa CPI, dois governadores sejam investigados. O PT sempre menciona o tucano Marconi Perillo, de Goiás, e não fala do petista Agnelo Queiroz, do DF. Não acha que estão tapando o Sol com a peneira? Quando começaram a aparecer as menções ao Agnelo, nós já tinhamos definido mais ou menos esse roteiro para cobrar, além da punição do Demóstenes, a apuração de tudo. Então, é impossível dizer agora que a apuração deve ser parcial. A gente não pode fazer isso. Não pode e não deve. Não defendo isso.

– A construtora Delta, envolvida no inquérito, tem que grande participação no PAC. Parece vir daí a preocupação do Planalto. Isso não o preocupa? Isso é outra coisa que decorre da decisão global. Na minha opinião, esses fatos apenas mostram a isenção do trabalho da Polícia Federal, que ocorre de maneira correta, sem intervenção do Ministério da Justiça. Não tivemos do ministro José Eduardo Cardozo [o petista que chefia a pasta da Justiça] uma informação sequer. Pelo contrário, o tempo todo ele disse que não se afastaria um milímetro do que prevê a Constituição. Esse negócio da Delta é a mesma coisa do Agnelo. Queremos apurar como um sujeito, utilizando a estrutura pública, desenvolveu uma rede de negócios. Se surgir alguma coisa, quem vai julgar é a Justiça. Entendo que, se ficar demonstrado que uma empresa está conseguindo ganhar licitações por métodos ilegais, seja lá que empresa for, isso ajuda o governo. Permite corrigir o que for necessário. Ajuda a nós do Parlamento também, que estamos tentando aprovar vários projetos. Um deles, inclusive, foi mandato pelo Lula, em 2010. Prevê a punição de corruptores. Está na Câmara.

– Acha, então, que bancada do PT conseguirá conduzir uma investigação imparcial, independentemente da posição do partido e do Planalto? Não tem outro caminho. Temos que fazer a invetigação. Interessa também a outros partidos da base [de apoio ao governo] –o PTB, o PR, o PMDB. Todo mundo, quando fala de CPI, diz que ninguém sabe como acaba. CPI monopoliza a agenda. É natural. Quando voltei do recesso, no meu primeiro discurso, em 2 de fevereiro, defendi como prioridade do ano a rediscussão do pacto federativo. Abrimos essa discussão. Vem agora a CPI. Se não atrapalha, divide as atenções. Para complicar, estamos em ano eleitoral. Não cheguei na liderança do PT desejando fazer uma CPI. Minha prioridade é o pacto federativo. Fomos sacudidos por essa coisa absurda em relação ao Demóstenes. Depois, veio essa revelação de que há uma rede de negócios, não mero tráfico de influência. Tínhamos que agir.

– Não apurar seria pior do que apurar? Com certeza. Até porque depois vão dizer: na hora em que tiveram a oportunidade de apurar uma coisa desse tipo, não apuraram. Vão levantar todo tipo de teses: que foi medo de julgarem o mensalão, medo de aparecer fulano ou beltrano, medo disso e daquilo. Entraria uma série de interrogações que nós teríamos dificuldade de responder. O que interessa agora é responder o essencial: quem montou essa rede de negócios? Quem ajudou a montar? Essa rede traficou por onde? Temos a obrigação de responder tudo isso. Quem julga é o Judiciário. Mas o Parlamento precisa verificar o que pode fazer para que essas coisas não se repitam.

– Acha que esse é o sentimento de todos? Quando falamos de CPI, o Sarney e o Marco Maia [presidentes do Senado e da Câmara] se reuniram e decidiram fazer uma CPI mista. Marco Maia já tinha uma CPI protocolizada na mão dele. Ele tinha que dizer se instalava ou não. Sarney pediu para consultar os líderes. Ele até brincou comigo: 'Se não consulto, vão dizer que inviabilizei a CPI da Câmara. Vão dizer que fiz gol de mão.' Sarney chamou uma reunião com todos os líderes. Não se ouviu nenhuma voz dizendo que não podia ter CPI. O que se discutia é se seria mista ou se teríamos duas. Houve uma votação. Contra a CPI, ninguém. Todo mundo disse que chegou num ponto que se tornou inevitável. O Eduardo [Braga, líder do governo no Senado] disse que talvez fosse melhor a Câmara fazer a CPI dela e a gente produzir a nossa. A maioria achou melhor a CPI  mista. Houve votação. Terminou todo mundo fechando com a CPI mista, mesmo quem preferia que o Senado fizesse uma comissão exclusiva. Então, entendo  que toda a Casa está comprometida com a CPI.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.