Topo

Josias de Souza

Bancada ruralista reescreve em novo projeto os trechos do Código Florestal que Dilma vai vetar

Josias de Souza

11/05/2012 04h48

Código Florestal: Henrique revisa com colegas projeto vendido como 'remédio' para veto de Dilma

Negociado sem alarde e redigido longe dos refletores, foi protocolado na Câmara um projeto de lei que reescreve trechos do Código Florestal aprovado há duas semanas. Deve-se a iniciativa à bancada ruralista. Os agrodeputados antecipam-se ao esperado veto que Dilma Rousseff vai apor ao texto que eles aprovaram.

Endossado pelo líder do PMDB e candidato à presidência da Câmara Henrique Eduardo Alves (RN), o texto obteve a adesão de 12 partidos. Os líderes de oito deles já rubricaram a proposta. Outros quatro comprometeram-se a assinar na terça-feira (15). Juntos, representam 306 votos. Henrique estima que a adesão subirá para 340. Bem mais que os 274 que aprovaram a versão enviada a Dilma.

Antes de ser protocolado, o projeto foi submetido a uma última revisão nesta quinta (11). Deu-se o gabinete da liderança do PMDB. Além de Henrique, participaram os deputados Jerônimo Goergen (PP-RS) e Moreira Mendes (PSD-RO), coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária. O miolo da picanha são as chamadas APPs (Áreas de Preservação Permanente). É como são chamadas as matas assentadas nas beiras de rio.

O Senado havia aprovado regras que os ruralistas tacharam de draconianas e irrealistas. Para rios com até 10 metros de largura, o dono da propriedade seria obrigado a manter 30 metros de matas ciliares nas margens. Abriu-se uma exceção: nos casos em que já houvesse atividade produtiva onde deveria haver árvores, a largura da mata a ser recomposta seria reduzida para 15 metros.

De resto, a versão do Senado estipulava: para rios com largura de 50 a 200 metros, pelo menos 50 metros de mata nas margens; para rios com mais de 600 metros, matas de no mínimo 500 metros nas beiras. Na Câmara, os deputados restituíram o texto que haviam aprovado antes de a proposta ser encaminhada ao Senado.

Dona da última palavra, a Câmara estabeleceu que os proprietários rurais cujas terras fossem cortadas por rios com mais de 10 metros seriam obrigados a recompor 15 metros de mata em cada margem. E ponto. Abespinhada com a alteração, Dilma sinalizou o veto. Mais: para preencher a lacuna causada pela supressão, vai editar uma medida provisória.

Como não podem evitar o veto, uma prerrogativa constitucional da presidente, os agrodeputados antecipam-se à medida provisória. Ao fazê-lo, informam a Dilma que não estão propensos a aceitar a ressurreição do texto tricotado no Senado. Para não repetir a versão na bica de ser vetada, sugerem a adoção de quatro faixas para a recomposição das matas nas APPs.

Para rios com até cinco metros de largura, cinco metros de mata. Para lâminas d'água de até 10 metros, 7,5 metros de floresta. Para rios com largura de até 30 metros, 10 metros de árvores. E para cursos d'água com mais de 30 metros de largura, no mínimo 15 metros de mata e no máximo 100 metros.

No mais, o novo projeto amplia a anistia a desmatamentos ilegais ocorridos até junho de 2008. No texto que se encontra na mesa de Dilma, são anistiados os produtores já registrados no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Na nova versão, a anistia vale a partir da publicação da lei, independentemente de haver ou não registro no CAR.

A proposta prevê também que o governo será obrigado a indenizar os pequenos produtores que tiverem de abrir mão de atividades produtivas para replantar trechos de matas. Entende-se por pequeno o dono de propriedades com até quatro módulos fiscais. Esses módulos variam de acordo com a região do país. Oscilam de 20 a 400 hectares.

Ouvido pelo blog, Henrique Alves disse que os deputados gostariam de ter feito as alterações já na votação de duas semanas atrás. Porém, pelo regimento da Câmara, os deputados só tinham dois caminhos a seguir: ou aprovavam o texto tal como veio do Senado ou suprimiam as modificações promovidas pelos senadores, restabelecendo a versão aprovada antes pela Câmara.

"Algumas coisas amadureceram durante a tramitação do Código Florestal", disse Henrique. "Não queríamos o texto do Senado. Mas o da Câmara também já não satisfazia. Infelizmente, o regimento não permitiu alterar."

O líder do PMDB prossegue: "Sabemos que há imperfeições e que a presidente Dilma vai vetar. Concordamos. Sabemos também que ela pretende corrigir o texto por meio de uma medida provisória. Estamos nos antecipando, oferecendo um remédio melhor do que a MP, que é um projeto de lei."

Segundo Henrique, os 12 partidos que apoiam a proposta assinarão também um pedido de tramitação em regime de urgência. Com isso, o novo texto pode ser levado à pauta de votações da Câmara já na semana que vem, simultaneamente ao anúncio do veto de Dilma. Aprovado, iria para o Senado.

Há dois problemas: primeiro, é preciso convencer Dilma a abrir mão da edição da medida provisória. Segundo, uma vez aprovado na Câmara, o novo projeto terá de passar, de novo, pelo crivo do Senado. Os senadores tendem a modificá-lo. Nessa hipótese, a proposta retorna à Câmara, reiniciando a novela.

Não é só: a exemplo dos deputados, também os senadores trabalham para pôr em pé um projeto que preencha as lacunas que resultarão do veto de dilma. Henrique Alves não desconhece a iniciativa. Mas insinua que, sem acordo, sera moída na Câmara.

"Os senadores, sabendo do nosso texto, tentam se organizar para fazer um projeto de lei com um toque semelhante ao que foi aprovado no Senado. Não resolve. Se resolvesse, tínhamos aprovado o texto que veio de lá. E mais: A Câmara tem todo o direito de não querer que a última palavra seja de 81 senadores, que representam os Estados, e sim dos 513 deputados, que representam os municipios, as comunidades que vivem da terra."

O pedaço ruralista da Câmara deve recorrer ao ministro Mendes Ribeiro (Agricultura), um deputado licenciado do PMDB gaúcho, para tentar abrir um canal de negociação com Dilma. Deseja-se que a presidente se abstenha de editar uma medida provisória pós-veto, endossando a iniciativa da Câmara. Não sera fácil.

E se a MP for editada? Bem, nesse caso, a tramitação começa pela Câmara. Em maioria, os ruralistas cuidarão de dar à medida provisória de Dilma as feições que bem entenderem. Depois, o exto vai ao Senado. Se for modificado, terá de retornar obrigatoriamente à Câmara, que o reescreverá. Como se vê, essa novela vai longe.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.