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Josias de Souza

Após impor duas derrotas a Dilma, Câmara dará, novamente, ‘palavra final’ sobre Código Florestal

Josias de Souza

26/05/2012 06h29

Ao 'desmatar' com 12 vetos e 32 'ajustes' a versão de Código Florestal aprovada pelo Congresso Nacional, Dilma Rousseff pôs em pé um discurso para exibir na conferência ambiental Rio+20, marcada para 20 de junho. Não conseguiu, porém, decepar a polêmica. Ao contrário, reacendeu-a.

O método escolhido por Dilma para impor sua vontade fez dela, novamente, refém da Câmara dos Deputados. Uma Casa que já lhe impôs duas derrotas. Em vez do veto total, defendido por ambientalistas, a presidente preferiu derrubar os pedaços do Código. Para preencher as lacunas, editou uma medida provisória.

Reza a Constituição que as medidas provisórias entram em vigor na data da publicação. Porém, como o nome já insinua, a MP é uma ferramenta legislativa provisória. Para converter-se numa lei definitiva, precisa ser aprovada na Câmara e no Senado. O que devolve Dilma à condição de refém dos deputados é o rito de tramitação da medida provisória.

Vai funcionar assim: depois de publicada no Diário Oficial, na edição desta segunda (28), a MP de Dilma será enviada pela Casa Civil à Câmara. Ali, terá de passar pelo crivo de 513 deputados. Entre eles os agroparlamentares e simpatizantes que redigiram o Código que Dilma refugou.

Nessa fase, a medida provisoria será transformada numa peça chamada no jargão do Parlamento de "projeto de conversão". Por meio de emendas, os deputados ajustarão o texto, convertendo o Código Florestal de Dilma em algo que expresse a média das opiniões dos partidos. Não há na história medida provisória que tenha sobrevivido a esse processo sem sofrer alterações.

Na sequência, a MP -ou o que restar dela- seguirá para o Senado, onde foi produzida a versão de Código Florestal que Dilma tenta "recompor". Os 81 senadores dispõem de dois caminhos a seguir. Num, consideram adequado o texto que virá da Câmara. Aprovando-o sem alterações, encerram a novela.

Noutro, mais provável, os senadores modificam o projeto dos deputados, podando eventuais artigos que, muito provavelmente, a bancada ruralista enfiará dentro da medida provisória. Nessa hipótese, manda a lei que o projeto retorne à Câmara, numa espécie de replay de tudo o que já sucedeu.

Para relembrar: o Código Florestal que desgostou Dilma também nasceu na Câmara. Votado em 2011, foi ao Senado. Reescrito com a caligrafia do Planalto, voltou às mãos dos deputados, que derrubaram as novidades gestadas pelos senadores e ressuscitaram a versão original. Só uma palavra pode livrar Dilma e a platéia da reprise: negociação. Ou os atores recostam os cotovelos sobre a mesa ou vai-se chegar, em quatro meses, ao mesmo impasse que levou aos vetos.

Quatro meses é o prazo de validade de uma medida provisória. Se não for apreciada em 120 dias, deixa de existir. A derrubada de MPs por falta de deliberação não é inusual. Dilma acaba de perder duas medidas provisórias na Câmara. Numa delas, o governo tentava estender às obras do PAC o mesmo regime de licitações flexibilizadas que vigora nas obras da Copa.

No caso do Código Florestal, o governo não pode se dar ao luxo de correr semelhante risco. Extinguindo-se a MP, ficará em vigor uma lei aleijada. Se pudesse ser comparado a uma floresta, o Código viraria uma selva recortada pelas clareiras abertas pelos vetos, sem o reflorestamento que a medida provisória se propõe a promover.

De novo: ou o governo se esforça para estreitar inimizades com os agrodeputados ou produzirá um enredo sem final feliz. Por ora, Dilma conseguiu desagradar todo mundo. Não vetou tudo, como queriam os ambientalistas. E deixou bem claro que quer ressuscitar nacos do texto do Senado, que a maioria rural da Câmara já refugou.

A cabeça de Dilma roda um software diferente. Lula e FHC provavelmente já teriam inaugurado a mesa de negociações. Menos acomodatícia, a sucessora de ambos prefere o jogo franco. Ao reiterar a preferência pelas ideias que prevaleceram no Senado, Dilma informa à Câmara que está pintada para a guerra.

A presidente desce ao front com a intenção de dividir a infantaria ruralista. Na parte da medida provisória que trata da recomposição das matas nas margens dos rios, ela introduziu novidades que favorecem os pequenos produtores. Com isso, espera dissolver a maioria que a derrotou na Câmara. Na última votação, realizada em abril, o Planalto perdeu a batalha com uma diferença de notáveis 94 votos.

Ainda não se sabe com precisão qual será o tamanho da encrenca. Ao anunciar nesta sexta (25) os 12 vetos e os 32 ajustes, os ministros escalados por Dilma para falar com os repórteres disseram coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. Discorreram sobre conceitos. Mas abstiveram-se de divulgar, na íntegra, o texto esburacado e MP restauradora.

Dilma tampouco teve a preocupação de convocar os líderes dos partidos de sua coalizão para antecipar-lhes o que todos conhecerão na segunda-feira. Guiando-se por seu software particular, ela dá de ombros para o Congresso. Em tese, o Legislativo poderia retaliar, derrubando os vetos de Dilma ao Código Florestal.

Reza a Constituição que os vetos presidenciais devem ser apreciados pelo Parlamento, em votação secreta, no prazo de 30 dias. Porém, o texto constitucional é solenemente ignorado há anos. Aguardam na fila de votação 166 vetos. Um deles é do tempo em que o inquilino do Planalto chamava-se Itamar Franco. Cabe ao presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), pautar a votação dos vetos.

Quer dizer: numa escala de zero a dez, a chance de Dilma ser atacada por esse flanco é de menos onze. Resta torcer para que um surto de bom senso caia sobre Brasília, restituindo o que a democracia tem de mais belo: a possibilidade de solucionar conflitos pela via do diálogo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.