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Josias de Souza

PT e PMDB racham e a CPI já foge do 'controle'

Josias de Souza

30/05/2012 05h04

Expressa no plano de trabalho do relator petista Odair Cunha, a estratégia do bloco governista começou a fazer água na CPI do Cachoeira. A tática original escorre por uma trinca aberta nas relações dos dois maiores partidos do condomínio oficial. PT e PMDB bateram cabeça na sessão desta terça (29).

Encontrava-se sobre a mesa, desde a semana passada, um requerimento de quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico da matriz da Delta Construções. Veneno puro. Na noite da véspera, em negociações que entraram pela madrugada, a caciquia do PT negociara com morubixabas do PMDB a fórmula do antídoto.

A toque de caixa, redigiu-se um requerimento alternativo. Propunha o caminho inverso. Em vez do rompimento indiscriminado dos sigilos da empreiteira, seriam abertas apenas as contas que pingaram recursos nas empresas de fachada da quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Assinaram a peça 12 membros da CPI.

Caberia ao relator Odair executar diante das câmeras a manobra urdida à sombra. Ele tentou. Sugeriu que a CPI debatesse os dois requerimentos e optasse por um deles. Insinuou preferência pelo documento restritivo. Onyx Lorenzoni (DEM-RS) saltou da cadeira. Miro Teixeira (PDT-RJ) também pulou.

Recordou-se ao presidente da CPI, Vital do Rêgo (PMDB-PB), que ele empenhara a palavra uma semana antes. Comprometera-se a levar a voto o pedido de devassa na Delta. Introduzir no caminho um requerimento que nem constava da pauta seria uma violência ao rito previsto no regimento.

Constrangido, Vital viu-se compelido a honrar o compromisso. Majoritário, o bloco governista dispunha de votos para rejeitar a encrenca. Deu chabu. Abriram-se inscrições para que quatro congressistas fossem ao microfone. Dois falariam a favor do requerimento tóxico, dois contra. Não houve uma mísera voz que se animasse a arrostar, sob holofotes, o desgaste de defender o biombo para a Delta.

Submetido ao cheiro de queimado, Vital abriu a votação. Chamada nominal. Os dois primeiros votantes eram petistas: José Pimentel (CE) e Humberto Costa (PE). Disseram "sim" à razia na Delta. Estabeleceu-se uma atmosfera de liberou geral. Seguiu-se uma cachoeira de votos a favor.

Na sua vez de opinar, o relator Odair jogou a toalha: "Se ninguém falou contra, eu também voto a favor." Contados os votos, registrou-se uma lavada: 28 a 1. Apenas o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), um dos signatários do requerimento alternativo preparado na noite anterior, disse "não". Deixaram-no falando sozinho.

O apagão governista mandou às calendas o plano original de represar a apuração, limitando-a aos escritórios da Delta no Centro-Oeste. A CPI aproximou-se das arcas do PAC de Dilma Rousseff, que tem na Delta nacional sua principal tocadora de obras. Foram à zona de tiro também o governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) e a turma do guardanapo, dada a confraternizações parisienses com Fernando Cavendish, o ex-presidente da Delta.

Como se fosse pouco, o PT viu malograr, na mesma sessão, o plano de aprovar a convocação do governador tucano de Goiás, Marconi Perillo. Sobreveio uma surpresa. Gladson Cameli (PP-AC), um deputado que exerce na comissão o papel de mudo, decidiu falar. Levantou uma "questão de ordem". Tropeçando nas palavras, leu um arrazoado segundo o qual a CPI não tem poderes para intimar governadores de Estado.

O senador Pedro Taques (PDT-MT) contraditou. Afirmou que até juízes podem convocar governadores para depor como testemunhas. A CPI, que dispõe de amparo constitucional para funcionar como instância judidiciária, também pode. Com a velocidade de um raio, o presidente Vital do Rêgo atalhou o debate.

Avocando a encrenca para si, Vital suspendeu a votação dos pedidos de oitiva de governadores. Informou que encomendaria um estudo à sua assessoria jurídica e devolveria o tema à pauta oportunamente. Além de Perillo, aguardavam na fila da convocação o pemedebê Sérgio Cabral e o petê Agnelo Queiroz. No plano do PT, só o primeiro desceria à grelha.

Em privado, o petismo enxergou as digitais do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), na extemporânea "questão de ordem" do ex-mudo Gladson Cameli. Pior: para o PT, há bicos tucanos por trás do movimento. Odair tentou atenuar o prejuízo. Sugeriu que fosse a voto outro requerimento. Prevê a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Perillo.

O tucanato esboçou uma reação. Mas nem precisou gastar todo o latim. Àquela altura, já havia sido aberta no plenário do Senado a "ordem do dia". E o regimento obriga as comissões a interromper suas atividades depois que a fornalha do plenário geral é ligada. Vital encerrou a sessão.

Em aparição triunfal, deu as caras na CPI ninguém menos que Marconi Perillo. Sorriso aberto, desfilou por entre os membros da comissão. Distribuiu tapinhas nas costas e apertos de mão. Entregou a Vital um pedido escrito para que seja convocado. Fez pose de destemido. Queria ser ouvido ali mesmo, de bate-pronto, sem mais delongas. Sabia que não seria atendido. Mas demarcou o terreno.

A encenação de Perillo instilou dúvidas na infantaria do PT. O partido de Lula passou a cogitar a hipótese de retardar a convocação do tucano. Receia oferecer-lhe um palco político. Trama-se agora privilegiar a quebra dos sigilos.

Pedro Taques, um governista da ala independente, espécie de estraga-acordos da CPI, afiava o discurso na noite passada. Quer saber qual vai ser a resposta de Vital do Rego à preliminar sobre os poderes da CPI para intimar governadores. Favorável à convcocação de todos, Taques vai às lanças se a resposta for negativa.

"Vão querer aprovar o afastamento dos sigilos do Perillo. Apenas dele. Eu pergunto: se o entendimento for o de que a CPI não pode ouvir governadores, como justificar a quebra dos sigilos. Ora, se pode uma coisa, também pode a outra. O que não pode é a CPI trabalhar na base do absurdo."

Concebida por Lula como palco de suplício de oposicionistas, a CPI vai se tornando, aos pouquinhos, um touro difícil de agarrar pelo chifre. O condomínio oficial imaginou que seria possível tocá-la por controle remoto, a partir de acordos celebrados longe da sala de sessões. Nesta terça, o caldo entornou.

Reconciliando-se, PT e PMDB ainda podem reposicionar o caldeirão. Mas já estão dentro dele os dados bancários da matriz da Delta. A fronteira da investigação deixou de ser o Centro-Oeste. Pode não resultar em nada. Mas também pode levar ao insondável. Alvíssaras!

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.