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Josias de Souza

O juiz da Monte Carlo e a esculhambação estatal

Josias de Souza

19/06/2012 16h58

Se o Brasil fizesse sentido, aproveitaria as oportunidades abertas com as operações Vegas e Monte Carlo para golpear um tentáculo do crime organizado. Como o país nem sempre faz nexo, o Estado brasileiro vai se tornando a oportunidade que o crime aproveita para organizar-se.

O caso do juiz Paulo Augusto Moreira Lima dá ideia do estágio em que se encontra a esculhambação. Era responsável pelo processo que arrancou da sombra Carlinhos Cachoeira e seu bando. Súbito, foi transferido para outra frequesia.

O repórter Felipe Recondo trouxe à luz as razões da transferência. Estão expressas numa carta do magistrado à Corregedoria e à presidência do TRF-1. No texto, o doutor Moreira Lima pede para ser retirado do caso Cachoeira. Por quê? "Por não haver condições adequadas de segurança."

Conta, por exemplo, o seguinte: "Minha família, em sua própria residência, foi procurada por policiais que gostariam de conversar a respeito do processo atinente a Operação Monte Carlo, em nítida ameaça velada, visto que mostraram que sabem quem são meus familiares e onde moram."

A Monte Carlo produziu 79 réus, dos quais 35 são policiais (federais, civis e militares). O doutor ordenou o afastamento de todos eles de suas funções. Algo que faz da visita dos policiais à sua residência um caso de polícia.

Instado a comentar a situação de Moreira Lima, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, declarou: "Não se pode ameaçar do ponto de vista da integridade física nem moral e psicológica nenhum julgador e sua família."

De fato, "não se pode". Porém, as ameaças não só existem como, às vezes, teimam em se concretizar. Prova-o o recente assassinato da juíza Patricia Acioli, no Rio. "São crônicas de mortes anunciadas", disse o senador Pedro Taques (PDT-MT), evocando, da tribuna do Senado, o clássico de García Márquez.

Taques contou que a procuradora da República Léa Batista, outra servidora pública que atua na repressão à quadrilha de Cachoeira, também recebeu uma ameaça velada. Chegou-lhe na forma de um e-mail. Comunicou o ocorrido à Procuradoria-Geral da República.

Em meio a esse cenário envenenado, o desembargador Tourinho Neto, do TRF-1, permite-se, segundo Taques, fazer graça. Num de seus despachos, contou o senador, Tourinho ameaçou aceitar pedido de suspeição formulado pelos réus da Monte Carlo contra o doutor Moreira Lima.

"Em tom de deboche, Tourinho Neto disse que o juiz estava próximo de pular o corguinho", Taques relatou. "Alguns desembargadores vivem na ilha da fantasia dos seus gabinetes, acreditando que o crime organizado não existe. Enquanto isso, os canalhas estão a solapar os princípios fundamentais da República."

Como se vê, o Brasil precisa começar a fazer sentido. Sob pena de pular o corguinho da esculhambação e tornar a organização do crime irreversível.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.