Na batalha que não houve, a Fiel salvou a noite
Os torcedores de futebol se parecem entre si como búfalos na pradaria. Exibem o mesmo comportamento de manada –trejeitos assemelhados, xingamentos iguais, idêntica aversão ao juiz.
Há, porém, um torcedor diferente dos demais. Ponha-se um capuz na cabeça de um corintiano e ele permanecerá inconfundível. Quando o sujeito morre de amores por um time, diz-se que é um torcedor doente. Verdade. Mas só o corintiano é incurável.
O verdadeiro torcedor de futebol ou é torcedor ou é lúcido. E nenhum torcedor é tão consciente de sua demência quanto o corintiano, que exercita sua inconsciência com método.
Para o corintiano, a partida é um detalhe. Ele quer mesmo é esganiçar-se, enfurecer-se, rugir contra tudo. Foi imbuída desse ímpeto que a Fiel torcida compareceu ao sanatório do Pacaembu na noite passada.
A massa preparara-se para um confronto sangrento. E teve de assistir à repetição da Batalha de Itararé, aquela que não houve. É grande a tentação de pespegar em Emerson, o autor dos dois gols cravados no peito do inimigo, o epíteto de herói. Bobagem.
O adversário como que desvalorizou o feito do craque. Velho algoz de equipes brasileiras em finais da Libertadores da América, o Boca Juniors apresentou-se diante do Timão e dos seus torcedores como um irreconhecível e inofensivo timinho.
A despeito do primeiro tempo sofrível, decepcionante, as arquibancadas conservaram aceso o alarido. Na volta do vestiário, o Corinthians recebeu de sua torcida uma recepção épica, mais efusiva que a do início da peleja.
O placar ainda registrava um angustiante zero a zero. Insinuava-se a repetição de humilhações jamais cicatrizadas. Ainda assim, lançaram-se aos céus rojões dignos de um triunfo de final de Copa do Mundo.
Os jogadores do Corinthians foram como que intimados a produzir um resultado que justificasse a celebração antecipada, eis a verdade. A Fiel parecia avisar que não suportaria um fracasso. Muito menos diante de um adversário desconjuntado.
Faltou de tudo na noite do Pacaembu. Faltou arte nos gols. Faltou um Boca Juniors digno do Boca Juniors. Faltou o Galvão Bueno para repetir o lero-lero de que a vitória sobre argentinos é mais gostosa. Faltou o roubo do juiz. Faltou até a previsível troca de sopapos depois do apito final.
Diante de tanta mediocridade, sobraram duas coisas: o formidável espetáculo dos corintianos e a decepção dos torcedores dos outros times, que, autoconvertidos em argentinos por uma noite, perderam o gostinho de zoar os doentes terminais na manhã seguinte.
– Ilustração animada de Maurício Ricardo, via charges.com.
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