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Josias de Souza

Dilma abre as arcas para os aliados: R$ 823 mi

Josias de Souza

10/07/2012 05h33

Reza a lei que, em anos de eleição, o governo só pode liberar verbas para obras e convênios novos até o dia 6 de julho. Atento ao calendário, o Planalto travou nos primeiros dias do mês uma corrida contra o relógio. Mandou empenhar na primeira semana do mês R$ 823,7 milhões em emendas de parlamentares.

Deve-se a contabilização do arrastão de liberações às repórteres Isabel Braga e Cristiane Jungblut. Servindo-se de dados disponíveis no Siafi, o sistema que armazena os gastos do governo, a dupla verificou que, só no dia 6 de junho, data limite para as liberações, foram empenhados R$ 402 milhões em emendas. Coisa negociada pela ministra Ideli Salvatti, a gestora do balcão.

A emissão da nota de empenho vale como uma promessa de liberação. As prefeituras beneficiadas com a destinação das verbas podem iniciar as obras e programar os gastos. E os autores das emendas ficam autorizados a gargantear os feitos nas suas bases eleitorais.

Numa conta que inclui todo o primeiro semestre, verifica-se que o Planalto liberou um total de R$ 1,88 bilhão. O que corresponde a 9,01% dos R$ 20,8 bilhões que deputados e senadores penduraram no Orçamento da União de 2012. Em tempos de crise, parece muito. Aos olhos dos congressistas, é pouco.

Em tese, a liberação das emendas é um dever do governo. Aprovado no Congresso, o Orçamento tem peso de lei, com todos os penduricalhos que os parlamentares enfiam nele. As emendas não são, em princípio, nocivas. Por vezes, destinam verbas para municípios pobres que a União esquece. Porém…

O histórico de escândalos azeitados por emendas de parlamentares faz acender uma luz vermelha toda vez que uma nova leva de liberações ganha as manchetes. Nem toda emenda de parlamentar resulta em corrupção. Mas quase toda a corrupção carrega as emendas no seu DNA.

Algo como 80% dos 513 deputados e dos 81 senadores resumem os seus mandatos a duas tarefas. A primeira é atender aos interesses dos grupos políticos e econômicos que os elegeram. A segunda, preparar a caixa da próxima reeleição. Essas duas prioridades terminam por conduzir os deputados para o balcão.

Em troca de apoio congressual ao governo, exige-se a liberação das emendas e a acomodação de apadrinhados em cargos com poder para virar a chave do cofre. O primeiro grande escândalo, o caso dos "Anões do Orçamento", é de 1993.

O país vinha do impeachment de Fernando Collor. Itamar Franco mal assumira a Presidência quando se descobriu que também o Legislativo caminhava sobre o pântano.

Deputados cobravam propinas de empreteiras e prefeituras para injetar no Orçamento da União recursos destinados a obras públicas. Criou-se uma CPI. Seis deputados tiveram os mandatos cassados. Outros quatro renunciaram. Alteraram-se as regras de elaboração do Orçamento.

Há cinco anos, em 2007, já na gestão Lula, a "Operação Navalha" demonstrou que a mudança de normas não deteve os malfeitos. Sob supervisão do Ministério Público, a Polícia Federal gravou 585 diálogos telefônicos. Conversas vadias, que desnudaram um esquema similar ao dos anões.

A transcrição das fitas recheia um processo de 52 mil folhas. Descrevem o modo como o empreiteiro Zuleido Veras e a sua Gautama beliscavam verbas públicas. Numa ponta, compravam-se os políticos com poder para destinar verbas às obras. Noutra, subornavam-se servidores públicos responsáveis pelas liberações.

A navalha correu em quatro ministérios, seis governos de Estados nordestinos, e dezenas de prefeituras. A vítima mais vistosa foi Silas Rondeau. Acomodado por Lula na pasta de Minas e Energia a pedido de José Sarney (PMDB-AP), Rondeau foi acusado de receber propina de R$ 100 mil.

Entre os anões e a navalha, houve o caso das "Sanguessugas". Nasceu em 2001, sob FHC, e explodiu em 2006, no final do primeiro reinado de Lula. Envolvia a pasta da Saúde. Na origem do roubo, de novo, as emendas.

Destinavam-se à compra de ambulâncias para prefeituras. A propina aos parlamentares era provida pela empresa Planan, que superfaturava os veículos em até 250%. Uma CPI apontou o envolvimento de 71 congressistas. Nenhum foi cassado. Mas poucos se reelegeram. Sob Dilma, as emendas borrifaram verbas nas ONGs companheiras que inspiraram a pseudofaxina realizada em pastas como Esportes, Turismo e Trabalho.

Além da origem parlamentar, os escândalos têm muito em comum: produzem operações espalhafatosas da PF, dezenas de prisões e quantidade idêntica de habeas corpus. Passado o estrondo, as cadeias se esvaziam e os escaninhos do Judiciário ficam apinhados. Não há vestígio de condenação definitiva. Grassa a impunidade. Daí o pé atrás da platéia com as emendas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.

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