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Josias de Souza

Planalto faz ‘arrastão’ de congressistas e tenta evitar vexame na votação de medidas anticrise

Josias de Souza

16/07/2012 06h26

A 48 horas do início do recesso do Legislativo, o Planalto corre contra o relógio para tentar evitar o que o ministro Guido Mantega (Fazenda) chama de "desastre": a derrubada de duas medidas provisórias que instituíram o programa Brasil Maior, lançado por Dilma Rousseff para reanimar a indústria em meio à crise.

Entre os nove minipacotes editados pelo governo para enfrentar a crise financeira internacional, o Brasil Maior é tido como o principal. Juntando benefícios tributários, desoneração da folha salarial e estímulos ao credito o refresco servido nesse programa foi estimado em algo como R$ 10 bilhões. Tudo isso pode cair. As MPs têm prazo de validade. E os deputados acionaram a barriga.

Desafiado por uma obstrução dos partidos de oposição, o Planalto e seus operadores no Congresso realizaram no final de semana um "arrastão". Depois de fazer corpo mole durante toda a semana passada, a tropa governista foi "intimada" a encher o plenário nesta segunga (16) e, sobretudo, na terça (17), véspera do recesso.

Dilma cobra fidelidade dos 'aliados' em três votações: na Câmara, "exige" a aprovação das MPs do Brasil Maior. Na Comissão de Orçamento e no plenário do Congresso (sessão conjunta de deputados e senadores), quer ver aprovada a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que traz um esboço do que será o Orçamento da União no ano pré-eleitoral de 2013.

Em teoria, Dilma dispõe na Câmara de uma infantaria de mais de 400 votos. Na prática, viu-se manietada nos últimos dias por um bloqueio imposto pelo DEM, PSDB e PPS, donos de exíguos 90 votos. Deve-se a inusitada afronta à matemática a dois fatores: a desarticulação do governo e o desejo de traição que se espraia pelo condomínio governista.

A encrenca começou a dar as caras há 12 dias. Para evitar surpresas, Dilma autorizara sua coordenadora política, a ministra Ideli Salvatti, a levar ao balcão um lote de liberações de emendas orçamentárias. Verbas destinadas por congressistas às suas bases eleitorais viraram notas de empenho. O empenho é o compromisso do governo de pagar. Permite que os projetos e as obras comecem a andar.

Pendurada no Siafi, o sistema informatizado que registra a execução do Orçamento, a oposição notou que Ideli rebarbara as emendas patrocinadas por antagonistas do governo. Pintou-se para a guerra e informou ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que bloquearia os plenários da Câmara e da Comissão de Orçamento. A obstrução é facultada pelo regimento.

Entrou em cena, munido de panos quentes, o líder de Dilma na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Chamou os mandachuvas do PSDB, do DEM e do PPS para uma reunião. Declarou-se autorizado a celebrar um acordo: o Planalto liberaria R$ 2,5 milhões em emendas para cada parlamentar da oposição, algo como um terço do que fora destinado aos governistas. Desse total, o ministro Alexandre Padilha (Saúde) proveria R$ 1 milhão por cabeça.

Para mostrar que falava sério, Chinaglia tocou o telefone para Ideli. Colocou-a no viva-voz. E a ministra declarou-se de acordo. A cena foi momentaneamente pacificada. Decorridos seis dias, a oposição voltou ao Siafi. E constatou que a palavra de Chinaglia, endossada por Ideli, virara pó. As verbas pingaram abaixo do prometido. Pior: em alguns casos, nem gotejaram.

Por exemplo: dos R$ 48 milhões que viriam da Saúde para a bancada do PSDB, foram empenhados apenas R$ 13 milhões. Trinta e um deputados –19 do DEM e 12 do PSDB— não foram aquinhoados com um mísero centavo. Zero da Saúde. Zero de outras pastas. Da ameaça, a oposição foi às lanças. Valendo-se de todos os artifícios que o regimento oferece, travou as votações.

Nessa hora, deveria ter sido acionado o trator. Como fez em tantas outras oportunidades, o Planalto ligaria a patrola da maioria e atropelaria a minoria. Deu chabu. Um pedaço da tropa oficial, magoada com Dilma, enxergou no enrosco uma oportunidade para dar o troco. O PR, por exemplo, varrido do Ministério dos Transportes, decidiu demonstrar que seus votos não são lixo. Aderiu à obstrução.

O PDT, que não se sente representado na Esplanada pelo ministro Brizola Neto (Trabalho), pôs-se a criar problemas na Comissão de Orçamento. Nacos do PTB e do PSC, que reivindicam um ministério, também cruzaram os braços. Para complicar, parte dos aliados de Dilma simplesmente antecipara as férias. Resultado: a oposição deu um baile no governo durante toda a semana passada.

Ideli ainda tentou argumentar que a liberação das emendas, por burocrática, leva tempo. Marco Maia esforçou-se para ajeitar as coisas. Em reunião com os líderes oposicionistas, rogou que destravassem as votações. Em troca, comprometeu-se a jogar o seu prestígio no empenho das emendas. Se dentro de um mês a verba não saísse, ele próprio iria às lanças.

Os líderes do PSDB e do PPS –Bruno Araújo e Rubens Bueno, respectivamente— ensaiaram a concessão de um voto de confiança ao presidente da Câmara. Mas o líder do DEM, ACM Neto, fincou o pé. E a oposição, para não perder a unidade, seguiu a tribo dos 'demos'.

Agarrada ao telefone, Ideli gastou o final de semana em apelos aos líderes do consórcio governista. Rogou por quórum. Para não correr riscos, o Planalto precisa comparecer ao front com cerca de 300 votos. Henrique Eduardo Alves, do PMDB, e Jilmar Tatto, do PT, comandantes das maiores bancadas, encabeçam o 'arrastão'.

Marco Maia expediu telegramas convocando os deputados para o esforço concentrado pré-recesso. Ameaça cortar o ponto dos faltosos. Afirma que, excetuando-se os problemas de saúde, não aceitará desculpas. A despeito de todo o esforço, o governo inicia a semana com a pulga atrás da orelha.

Na dúvida, planeja-se votar pelo menos a LDO. Reza a Constituição que o Congresso não pode sair em férias sem apreciar a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Votando-a, deputados e senadores iriam ao recesso e cuidariam das MPs do Brasil Maior na volta ao trabalho, em agosto. Teriam 15 dias para deliberar, antes que as medidas provisórias expirassem.

Caso o governo não consiga votar nem a LDO, o Congresso terá de suspender o recesso. Algo que impediria o desconto dos dias de repouso no calendário das MPs, que perderiam a validade com duas semanas de antecedência, em 1o de agosto. Se forem obrigados a cancelar as férias, Marco Maia e o presidente do Senado, José Sarney, terão de elaborar uma pauta de votações para o resto do mês de julho.

Essa pauta incluirá, obrigatoriamente, a LDO e as MPs de Dilma. O problema é que a maioria dos congressistas já planejou as férias. Arrastá-los até Brasília nas próximas semanas é tarefa que depende de milagre. Daí o desassossego de Mantega com a pespectiva de "desastre".

O ministro afirma que os parlamentares não se deram conta da importância do Brasil Maior. Acha que, quando lhes cair a ficha, até a oposição vai ajudar a aprovar. Engano. A menos que se produza um acordo de última hora, a banda oposicionista da Câmara está disposta a lavar as mãos. "O governo controla 80% dos votos. Não pode nos responsabilizar", diz o líder tucano Bruno Araújo. Ele liberou sua bancada. Virá à Câmara nestes dois dias que antecedem o recesso quem quiser.

Vice-líder do DEM, o deputado Ronaldo Caiado ecoa Bruno: "é uma questão de matemática. São 513 deputados federais. A oposição, com seus 90, não tem poder para impedir nenhuma votação. Não podemos ser responsabilizados." Quer dizer: Dilma depende 100% da fidelidade do seu conglomerado.

Escondido atrás do anonimato, um deputado do PMDB realça o colorido petista do impasse. "Quem negociou o acordo com a oposição foi o Arlindo, do PT. Quem descumpriu foi a Ideli, do PT. Quem mais sonegou emendas foi o ministro Padilha, do PT. Quem preside a Câmara é Marco Maia, do PT. Quem comanda a Comissão de Orçamento é Paulo Pimenta, do PT. Quem colecionou desavenças com aliados foi a Dilma, do PT. Só dá PT, de cabo a rabo."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.