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Josias de Souza

Paradoxo: cidades pobres têm ricas campanhas

Josias de Souza

22/07/2012 04h33

Nos cem municípios brasileiros com os piores Índices de Desenvolvimento Humano, os candidatos a prefeito estimam gastar na temporada eleitoral de 2012 uma fábula: R$ 97,2 milhões. Escrito de outro modo: condenados à escassez, os quase 900 mil brasileiros que residem nesses pedaços miseráveis do mapa do Brasil assistirão ao espetáculo da fartura eleitoral.

Auxiliada por três colegas, a repórter Juliana Castro levou às páginas notícia apinhada de dados intrigantes. Por exemplo: dividindo-se o orçamento dos comitês pela quantidade de eleitores, descobre-se que o voto de um miserável brasileiro custa, em média, R$ 110,84.

Em dois municípios do Maranhão, Estado dominado pelo clã dos Sarney, o inusitado roça a fronteira do paraxismo. Na cidade de Governador Newton Bello, falta de tudo –de asfalto nas ruas a esgoto nas casas. De cada dez moradores com mais de 15 anos, quatro são analfabetos. Ali, os eleitores são contados em 7.837. Os candidatos à prefeitura local orçaram suas campanhas em R$ 3,6 milhões. Quer dizer: cada voto custará a bagatela de R$ 459,35.

No município maranhense de Presidente Juscelino, onde 59% dos domicílios não dispõem nem de água na torneira, jorrarão dos comitês eleitorais R$ 3,25 milhões. Os eleitores cadastrados somam 8,8 mil pessoas. Cada voto sairá a R$ 368,64.

Entre o riso dos candidatos perdulários e a lágrima dos eleitores paupérrimos há o nariz. Acionando-o, os brasileiros desassistidos perceberão que a democracia que lhes oferecem cheira mal. Em vez de votar, talvez preferissem que helicópteros lhes despejassem sobre as cabeças as arcas dos comitês.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.