Mensalão: ministros do STF avaliam que o voto do revisor Lewandowski deve acirrar os ânimos
Em privado, os ministros do STF prevêem que o início do julgamento do mensalão será marcado por um duelo particular entre os dois colegas que receberam a incumbência de avaliar os autos antes dos demais: o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski.
Em ações penais como a do mensalão o trabalho do relator passa obrigatoriamente pelo crivo de um revisor. Barbosa é tido como expoente máximo da ala do Supremo que pende para a condenação dos réus. E Lewandowski nunca fez mistério de sua intenção de valer-se do voto-revisor para levar ao plenário um contraponto.
O receio dos ministros é o de que as posições da dupla, por vezes antagônicas, terminem por eletrificar os debates, acirrando os ânimos já na fase inaugural do julgamento. Lewandowski destoa de Barbosa desde 2007, quando a denúncia da Procuradoria da República foi convertida em ação penal.
Em agosto daquele ano, Barbosa expôs aos colegas um voto engenhoso. Dividiu a denúncia do então procurador-geral Antônio Fernando de Souza em fatias. Em vez de uma única votação, os ministros votaram várias vezes. Desse procedimento resultou o acatamento integral da denúncia, com a conversão dos acusados em réus.
Nessa fase, Lewandowski foi o ministro que mais divergiu do voto de Barbosa. Manifestou sua contrariedade em 12 passagens. Discordou do relator, por exemplo, quanto ao acolhimento da denúncia contra José Dirceu por formação de quadrilha. Opôs-se também ao enquadramento de José Genoíno no mesmo crime. Nesse ponto, teve a companhia do ministro Eros Grau, hoje aposentado.
Terminada a sessão, Lewandowski foi jantar com amigos num restaurante chique de Brasília, o Expand Wine Store, braço vinícola do Piantella, tradicional casa de repasto da Capital. A certa altura, o ministro levantou-se da mesa e dirigiu-se ao jardim, na área externa do estabelecimento. Grudou-se ao celular. Por dez minutos, conversou com o irmão Marcelo Lewandowski.
Por mal dos pecados, a repórter Vera Magalhães, acomodada numa mesa próxima, ouviu parte das frases pronunciadas pelo ministro ao telefone. A alturas tantas, Lewandowski disse ao interlocutor: "A imprensa acuou o Supremo". Mais adiante, acrescentou: "Todo mundo votou com a faca no pescoço."
Lewandowski disse mais e pior na conversa com o irmão: "A tendência era amaciar para o Dirceu". Deu a entender que, no seu caso, o amaciamento não resultaria em má repercussão: "Para mim não ficou tão mal, todo mundo sabe que eu sou independente". Deu a entender que, não fosse pela "pressão" da mídia, poderia ter divergido muito mais: "Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos."
Convertidas em manchete dois dias depois da sessão em que a denúncia do mensalão virou ação penal, as frases do ministro atearam constrangimento nos colegas. A tal ponto que a ministra Ellen Gracie, então presidente do Supremo, viu-se compelida a divulgar uma nota. No texto, disponível aqui, Ellen anotou:
"O Supremo Tribunal Federal – que não permite nem tolera que pressões externas interfiram em suas decisões – vem reafirmar o que testemunham sua longa história e a opinião pública nacional, que são a dignidade da Corte, a honorabilidade de seus ministros e a absoluta independência e transparência dos seus julgamentos. Os fatos, sobretudo os mais recentes, falam por si e dispensam maiores explicações."
Mais recentemente, já acomodado no papel de revisor, Lewandowski insinuou que poderia protelar a apresentação do seu trabalho para 2013. Algo que levaria à prescrição de alguns crimes. Entre eles o de formação de quadrilha. Ainda na presidência do STF, o ministro Cezar Peluso, que terá de aposentar-se em setembro, cuidou de pisar no acelerador. Sucessor de Peluso, Carlos Ayres Britto, com aposentadoria marcada para novembro, tratou de manter o ritmo acelerado.
Numa sessão administrativa à qual Lewandowski não compareceu, os ministros do Supremo marcaram o início do julgamento para 1o de agosto. E Lewandowski, meio a contragosto, teve de entregar seu relatório. Assim mesmo, o fez em data que levou ao adiamento da sessão inaugural em um dia. Chegou-se, então, à data de 2 de agosto.
É contra esse pano de fundo envenenado que o voto de Lewandowski acabou se transformando na peça mais aguardada do início do julgamento. O magistrado é um dos oito que chegaram ao Supremo por indicação de Lula, dos quais seis integram a atual composição do tribunal.
Dos indicados por Lula, Lewandowski foi o primeiro nome a ser enviado ao Diário Oficial depois da explosão do mensalão. O escândalo ganhou o noticiário em maio de 2005. Ele chegou ao tribunal em fevereiro de 2006.
Professor com mestrado e doutorado na USP, Lewandowski era desembargador em São Paulo quando Lula o escolheu. Formara-se na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, berço sindical e político de Lula. A família Silva não lhe era estranha. Sua mãe fora vizinha de Marisa Letícia, a mulher de Lula. Quer dizer: o doutor tem no processo do mensalão uma ótima oportunidade para revelar-se o juiz independente que declara ser. Encontrando nos autos matéria prima para suas divergências, enriquecerá o debate.
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