Topo

Josias de Souza

Incentivo fiscal em troca de empregos vira lorota

Josias de Souza

01/08/2012 04h56

De passagem por Londres, Dilma Rousseff dissera, na semana passada, que o governo concede incentivos fiscais aos fabricantes de carros com o propósito de aquecer as fornalhas da economia e, sobretudo, assegurar a manutenção dos empregos e da renda dos brasileiros. Ela soara peremptória: "Nós só damos incentivos para garantir emprego."

Decorridos cinco dias, o ministro Guido Mantega (Fazenda) recebeu em seu gabinete Luiz Moan, diretor de Relações Intitucionais da General Motors. A logomarca amerciana ameaça mandar ao olho da rua até 2 mil trabalhadores em São José dos Campos. Dizia-se que o doutor fora chamado a Brasília para dar explicações.

Terminada a reunião, Mantega declarou que a GM comprovou que é positivo o seu saldo de empregos desde que o governo serviu a última rodada de refresco de IPI, em fins de maio. Moan recuou a 2008 para dizer que, desde aquele ano, a montadora contratou mais gente do que demitiu. Empregava 1.848 empregados há quatro anos. Hoje, roda uma folha de 2.063.

E quanto à carnificina anunciada de São Bernardo? Veja bem, "temos excedente em uma das fábricas de São José dos Campos, temos o compromisso de negociação cautelosa com o sindicato", declarou o executivo da GM. E Mantega: "Há problemas localizados em São José dos Campos. Não cabe ao governo entrar nos detalhes, é [assunto] da organização interna da empresa." Hummm!

Em nota, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos insinuou que o ministro petista da Fazenda deveria requisitar informações ao Ministério do Trabalho. De acordo com o sindicato, o Dieese manuseou os dados da pasta do Trabalho e  concluiu: a GM demitiu mais do que contratou nos últimos 12 meses.

Entre julho de 2011 e junho de 2012, contabilizou o sindicato, a GM desempregou 1.189 brasileiros. Além de desconsiderar os dados do próprio governo, diz a nota, "o ministro faz estas afirmações sem o mínimo cuidado de ouvir a outra parte, o sindicato dos trabalhadores. Dessa forma, o ministro diminui a si próprio, assumindo o papel de mero porta-voz da GM."

Em sua manifestação londrina, Dilma dissera: "Permanentemente, nós estamos olhando isso. […] Aliás, nós só damos incentivos e fazemos toda uma política anticíclica voltada pro crescimento pra garantir emprego, não é por outra coisa. Todos os setores que receberam incentivos do governo têm de saber que nós fazemos isso por um único motivo no mundo: garantir o emprego e a renda do povo brasileiro."

Considerando-se o lero-lero de Mantega –"Não cabe ao governo entrar nos detalhes, é [assunto] da organização interna da empresa" –conclui-se que a corneta de Dilma não faz eco nem na Esplanada dos Ministérios, que dirá nas fábricas. Ficou entendido que quem acreditou na presidente da República fez papel de bobo. Depois de servir-se do tônico de IPI, a GM recebeu da Fazenda salvo-conduto para descer a lâmina em São José dos Campos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.