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Josias de Souza

Dilma faz da parceria com iniciativa privada sua nova cartada para salvar a coreografia de 2014

Josias de Souza

15/08/2012 04h48

Dilma recorre à parceria privada para repor os investimentos e 2014 nos trilhos

Num dia em que a brigada dos grevistas marcha sobre a Esplanada e começam a soar no STF as primeiras sentenças da infantaria do mensalão, Dilma Rousseff acomodará sobre a mesa sua segunda cartada. Convidará a iniciativa privada a associar-se aos projetos de infraestrutura que o governo não consegue tocar.

Depois da redução da taxa de juros ao menor patamar histórico, essa é a principal aposta de Dilma para tentar reacender as fornalhas do PIB e chegar a 2014 como a melhor continuação de si mesma. Guido Mantega chama as duas mãos de carta e adereços como a desoneração da folha das empresas de "revolução" econômica.

A experiência pretérita, o cenário presente e os vaticínios futuros não autorizam o otimismo descomedido do ministro da Fazenda. Por ora, pode-se dizer apenas que Dilma faz o que pode para livrar sua administração do pesadelo sonhado por Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), a dupla que ambiciona sua cadeira.

Às 10h, antes da chegada dos grevistas à Praça dos Três Poderes e a quatro horas do início da sessão do STF, Dilma anunciará com pompa um pacote de concessões de ferrovias e rodovias à iniciativa privada. Para açular o que chama de "instinto animal" do empresariado, cuidou de incluir na jogada o bom e velho BNDES.

As puxar suas 'novas' fichas, a presidente esvazia a estatal das ferrovias (Valec) e o departamento das rodovias (Dinit), dois guichês onde a inoperância combina-se com a corrupção. E convida os empresários a investirem em contratos de concessão concebidos para durar 25 anos.

Programara-se um embrulho maior. Na correria, os portos terminaram ficando para 29 de agosto e os aeroportos foram adiados para 5 de setembro. Dilma impõe ao cronograma um ritmo de toque de caixa. Deseja levar as concessões ao martelo rapidamente. Os vencedores dos leilões firmarão contratos com prazos estritos.

Prevê-se que as inaugurações serão feitas em fatias. Em vez de uma fanfarra única ao término das obras, um corte de fita para cada conclusão de trecho. Tudo isso para acelerar os investimentos, potencializar o PIB de 2013 e espalhar adornos em série na trilha que leva a 2014.

Dá-se de barato que a economia de 2012 já foi para o saco. Numa escala de zero a dez, a chance de o PIB crescer os 2,5% projetados pelo Banco Central é de menos onze. Com otimismo, pode-se torcer para que as vitaminas fiscais e monetárias que o governo serviu ao mercado comecem a produzir algum efeito no último trimestre.

Confirmando-se essa hipótese, Mantega pelo menos poderia acionar o seu gogó otimista para informar à plateia que a economia chega ao Natal rodando num ritmo que autoriza previsões mais alvissareiras para os meses seguintes. Com pessimismo, nem isso.

Dilma sabe que precisa chegar ao ano da sucessão em versão diferente da de 2010. No campo político, já não dispõe do efeito produzido pela eleição plebiscitária, simplificada na comparação dos oito anos de Lula com os oito de FHC. Agora, será comparada com seu patrono e, sobretudo, consigo mesma.

O maior desafio de Dilma será o de provar ao eleitorado que a gerente impecável vendida por Lula em 2010 não é uma farsa. Por isso tenta substituir a inoperância estatal pela suposta eficiência privada. Acha que chegará à eleição com a boa fama intacta. Falta agora combinar com os russos.

No parabrisa, enxergam-se uma economia interna que demora a reagir aos estímulos e uma crise externa longeva. No retrovisor, vislumbram-se providências parecidas com as que Dilma anuncia nesta quarta. O repórter Dimmi Amora foi checar o que sucedeu com o último pacote de concessões celebrado por Brasília.

Descobriu ue rodovias licitadas em 2007 tiveram seus contratos assinados em 2008. Previam investimentos de R$ 945 milhões, em valores da época –R$ 1,2 bilhão em dinheiro de hoje. As obras deveriam ficar prontas em 2013. Nenhuma delas vai cumprir o cronograma. Até fevereiro, haviam sido gastos escassos R$ 100 milhões. Quer dizer: a pompa de 2012 não oferece um certificado de garantia para coreografia de 2014.

Atualização feita às 14h56: Leia aqui e aqui notícias sobre o plano lançado por Dilma.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.