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Josias de Souza

Supremo deve ‘fatiar’ o julgamento do mensalão

Josias de Souza

17/08/2012 04h10

O relator Joaquim Barbosa deve prevalecer sobre o revisor Ricardo Lewandowski na definição do método de julgamento do processo do mensalão. O STF tende a adotar, a partir da sessão de segunda-feira (20), a fórmula do "fatiamento" dos autos.

Na metodologia tradicional, cada ministro leria a íntegra do respectivo voto. Primeiro o relator, depois o revisor. Na sequência, os demais, na ordem inversa da antiguidade –dos mais novos para os mais antigos. Por último, o presidente. Só ao final os votos seriam computados, sacramentando-se as sentenças. Sétimo ministro na fila de votação, Cezar Peluso, que se aposenta em 3 de setembro, correria o risco de vestir o pijama sem proferir o seu voto.

Na fórmula das 'fatias', os ministros decidirão sobre as condenações ou absolvições por capítulos, na ordem definida pelo relator. Uma ordem que, na essência, desenrola o novelo do processo puxando os fios pelas pontas indicadas na peça acusatória da Procuradoria da República.

A novela é a mesma. A diferença é que, em vez de permanecer em suspense até o final, a plateia ficará sabendo se os personagens terão ou não um final feliz ao término de cada capítulo. Nesse modelo, o quase-aposentado Peluso terá a oportunidade de se manifestar –senão sobre todos os réus ao menos sobre alguns deles.

Prevalecendo essa linha, os expectadores da TV Justiça logo saberão, talvez já na semana que vem, qual será o destino do réu João Paulo Cunha. Na sessão desta quinta-feira (16), o relator Barbosa optou por inaugurar a leitura do seu voto pelo terceiro item apresentado na denúncia da Procuradoria. Justamente o que trata dos supostos desvios de verbas públicas da Câmara na época em que a Casa era presidida por João Paulo Cunha (PT-SP).

Barbosa votou pela condenação de João Paulo (corrupção ativa, lavagem de dinheiro e dois enquadramentos por peculato) e de outros três réus beneficiados por um contrato "irregular" firmado com a Câmara: Marcos Valério e os ex-sócios dele na agência SMP&B, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz (corrupção ativa e peculato).

Depois que Barbosa concluiu a exposição desse pedaço do seu voto, a sessão foi encerrada sob impasse. O relator reiterou apelo que fizera na abertura dos trabalhos em favor do fatiamento. Na sua lógica, a próxima sessão, marcada para segunda, começa com a manifestação do revisor Lewandovski sobre as condutas de João Paulo, Valério, Ramon e Cristiano.

"A minha metologia e abordagem do processo é completamente distinta da do relator", refugou Lewandowski, partidário da leitura integral e individualizada dos votos de cada ministro. Na sua concepção, Barbosa deveria expor toda a peça que redigiu. Só então passaria a bola a ele e aos outros nove ministros.

Apagados os holofotes da TV Justiça, Ayres Britto, presidente do tribunal, deu a entender que o formato do julgamento seria definido na sessão de segunda-feira. Formou-se uma rodinha na saída do plenário. Conversaram Lewandowski, o decano Celso de Mello e o ministro Marco Aurélio Mello.

Lero vai, lero vem Marco Aurélio sugeriu a Lewandowski que aceitasse a fórmula de Barbosa. E o revisor sinalizou que, a contragosto, deve aquiescer. Durante a sessão, Lewandowski insinuara o contrário. Travara com Barbosa mais uma dessas altercações verbais que já vão se tornando rotineiras no Supremo. Dera-se no instante em que o relator revelara a intenção de expor o voto por itens, não na totalidade.

Em intervenção instantânea, o revisor Lewandowski ponderara que, na linha sugerida pelo relator Barbosa, o STF terminaria se guiando pela lógica da Procuradoria da República, passando a impressão de que admite de antemão a existência de núcleos no mensalão –o político, o financeiro, o publicitário…

No dizer de Lewandowski, Barbosa teria em relação ao processo "uma ótica ao que se contém na denúncia" da Procuradoria. E o relator, com seu temperamento abrasivo: "Isso é uma ofensa. Não venha Vossa Excelência me ofender também. Como pode saber da minha ótica se jamais conversou comigo sobre isso?"

Acomodatício como sempre, o presidente Ayres Britto submeteu a divergência a voto. A maioria pendeu para Barbosa. Mas ficou entendido na proclamação de Ayres Britto que cada ministro é livre para pronunciar o seu voto como achar mais adequado, por inteiro ou em fatias.

A certa altura, o plenário voltou a esquentar. Só não entrou em ebulição porque Ayres Britto deu a questão por "preclusa" (decidida). José Carlos Dias, um dos advogados que atuam no caso, foi à tribuna para expressar a "perplexidade" dos defensores dos réus com a perspectiva de um julgamento fatiado. Foi educadamente atalhado por Ayres Britto (o vídeo abaixo dá ideia do que se passou).

É no mínimo espantoso que os ministros do STF tenham chegado à fase decisiva do julgamento, a etapa da exposição dos votos, com esse grau de desentendimento. O bom senso recomendava que dissolvessem a discórdia nas sessões administrativas que realizaram, entre quatro paredes, para supostamente organizar o trabalho.

Espanta, de resto, que o relator e o revisor tenham permitido que seus egos, potencializados pelos refletores, impedissem o entendimento prévio sobre algo tão básico. Já era sabido que divergiriam nas sentenças. Mas não se imaginava que pegariam em lanças pelo encadeamento do processo.

A fórmula do fatiamento já havia sido adotada por Barbosa quando do recebimento da denúncia do mensalão, em 2007. Era previsível que seguisse a mesma linha agora. O que ninguém suspeitava é que não se dignaria a trocar um dedo de prosa com Lewandowski para ao menos tentar uma unidade mínima quanto ao método.

Se a sinalização emitida por Lewandowski na noite passada sobreviver ao final de semana, o STF deve livrar-se do risco de transformar o julgamento do mensalão numa espécie de samba do crioulo doido. Imagine-se a cena: o relator entoa a primeira estrofe do seu enredo. O revisor atravessa na avenida um samba integral, sem conhecer a totalidade do texto que lhe cabe revisar. E os outros ministros desfilam seus votos no formato que bem entenderem, no todo ou em fatias. A arquibancada não merece semelhante skindô-skindô.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.