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Josias de Souza

Roteiro de Lula para Haddad tropeça no 3o ato

Josias de Souza

20/09/2012 04h17

No livro em que revelou detalhes de suas conversas com o festejado roteirista de cinema Billy Wilder, Cameron Crowe listou os 10 mandamentos do interlocutor para os aventureiros do ofício. A chave do fracasso consta do sexto mandamento: 'If you have a problem with the third act, the real problem is in the first act'. No idioma de Camões: 'Se você está tendo problemas com o terceiro ato, o verdadeiro problema está no primeiro ato'.

A 17 dias do primeiro turno da eleição municipal, o Datafolha informa: Fernando Haddad, o candidato criado por Lula para encenar o papel de heroi no enredo eleitoral de 2012, tropeçou no terceiro ato. Interrompendo a curva ascendente que desenhava na fita, Haddad escorregou dois pontos em uma semana, recuando de 17% para 15%. O antagonista José Serra, vilão da peça de Lula, oscilou um ponto para o alto. Foi a 21%.

A distância entre ambos, agora de seis pontos percentuais, apagou aquele cenário de empate técnico que reluzia no pano de fundo. Para complicar, Celso Russomanno, o personagem que Lula supunha mero figurante, continua roubando (ops!) a cena. Oscilou três pontos para cima. Retornou ao portentoso patamar de 35%, consolidando-se na liderança.

Se Wilder estiver certo, o real problema está no primeiro ato, aquele em que o noviço Haddad foi imposto pelo roteirista-mor do PT como a reencarnação municipal do sucesso federal representado por Dilma Rousseff no enredo sucessório de 2010. Mais forte do que a ficção, a realidade vai se imiscuindo no roteiro para informar que, assim como o raio, o sucesso pode não cair duas vezes no mesmo enredo.

Estava previsto que que Lula viria aos refletores no alvorecer do segundo ato. No papel de si mesmo, o ex-soberano "morderia o calcanhar de Serra" e promoveria a transfusão de prestígio que daria a Haddad o viço de favorito. O câncer retardou a cena, conspurcando-a. Sobrevieram os improvisos.

Na versão original, Dilma só levaria sua face de presidente à disputa paulistana no epílogo do segundo turno. Pressionada por Lula e pelos fatos, viu-se compelida a antecipar a aparição. De resto, a necessidade de reforçar a infantaria, levou à constrangedora coreografia da troca do Ministério da Cultura pela conversão de Marta Suplicy ao projeto de poder municipal que a preteriu.

Conforme já esmiuçado aqui, Haddad revelou-se um 'poste' muito mais pesado do que Dilma. Há dois anos, a heroína de Lula despontava no Datafolha de meados de setembro com notáveis 51% das intenções de voto, contra 27% atribuídos a Serra. Marina Silva, uma "terceira via" infinitamente mais palatável do que Russomanno, somava à época inofensivos 11%.

Dotado de notável intuição, Lula como que anteviu um complicador. Em conversas subterrâneas que incluíram aquela reunião esquisita com Nelson Jobim e Gilmar Mendes, moveu-se para afastar o julgamento do STF do calendário eleitoral. Sabia que, em condições normais, dois espetáculos não podem ser exibidos numa só temporada. Seus esforços resultaram inócuos.

Resultado: no instante em que deveria estar em cartaz a eleição municipal, o Supremo pendurou na porta do teatro um novo letreiro: 'A Cadeira Elétrica do Mensalão'. Foi para o bebeléu o segundo mandamento de Wilder: "Agarre a plateia pelo pescoço e nunca solte". Lula bem que tenta, mas tudo indica que não está conseguindo.

No Datafolha da semana passada, 45% dos eleitores informaram que os veredictos do STF podem influenciar o voto. Algo que sugere que os esforços da propaganda de Serra para associar Haddad aos réus petistas começam a surtir os efeitos desejados. A despeito da incoerência de Serra, ele próprio agarrado ao mensaleiro Valdemar Costa Neto, é inegável que o petismo está mais sujo no escândalo do que os mal lavados do tucanato oportunista.

Desnecessário enfatizar que pesquisa não é urna. Nos insondáveis caminhos que levam à formação do voto, a surpresa é um elemento que conduz as estatísticas pela mão. Que o diga Russomanno, o líder insuspeitado. Assim, nada impede que, no imponderável dos próximos dias, o 'poste' de Lula consiga obter a energia que parece lhe faltar.

Na hipótese inversa, confirmando-se o aviltamento do roteiro, não restará ao patrono de Haddad senão encerrar o seu filme seguindo um 11o mandamento de Wilder: 'That's it. Don't hang around'. Em tradução livre: 'Pronto. Dê o fora'. Dito de outro modo: 'Absorva a humilhação e deixe que Serra corra o risco de ser surrado no segundo turno pelo ex-azarão Russomanno.'

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.