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Josias de Souza

João Paulo diz que não vai ‘entregar’ o mandato

Josias de Souza

21/09/2012 04h35

Primeiro político a amargar veredictos adversos no julgamento do mensalão, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) disse a companheiros de partido que não entregará o mandato "de mão beijada". Informou que brigará para não ser preso e para permanecer na Câmara até o término da atual legislatura, em 2014.

Condenado por três crimes –corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro— João Paulo prepara dois movimentos. Num, recorrerá contra as decisões do Supremo. Noutro, apelará à solidariedade dos colegas de Parlamento para salvar o que lhe resta de mandato.

Sabendo-se inelegível por oito anos, o ex-presidente da Câmara alega que a sobrevivência no Legislativo é essencial para que consiga reestruturar sua vida. Segundo diz, não dispõe de reservas financeiras que lhe permitam dispensar do dia para a noite o contracheque de deputado (R$ 26,7 mil mensais).

Em seus diálogos privados, João Paulo chega mesmo a inventariar seu patrimônio: R$ 80 mil no banco, três carros usados, a casa onde mora em Osasco e um flat que lhe rende aluguel de R$ 2 mil por mês.

Embora condenado, João Paulo não conhece o tamanho do seu castigo. A chamada dosimetria da pena só será aplicada ao término do julgamento. Porém, o suplício foi insinuado no voto de Cezar Peluso. Como votou às vésperas de aposentar-se, Peluso teve de se pronunciar sobre a pena.

Afora a perda do mandato, fixou a pena em seis anos de cadeia, algo que garantiria a João Paulo o regime semiaberto. O problema é que a conta de Peluso não inclui a lavagem de dinheiro, crime do qual absolveu o réu. A pena mínima prevista no Código Penal para esse delito é de três anos de reclusão.

Para livrar-se do regime fechado, o deputado precisa torcer para que os colegas de Peluso não sejam mais draconianos do que ele na fixação das penas por corrupção e peculato, aprovadas por 9 votos a 2. Mais: depende da revisão da condenação por lavagem de dinheiro, aprovada por maioria estreita: 6 a 5.

Para tentar atingir o segundo objetivo, a defesa de João Paulo protocolará no STF um "embargo infringente". É um tipo de recurso que permite requerer a reversão da condenação. Pode ser usado sempre que a decisão não é unânime e que o condenado tenha obtido em plenário pelo menos quatro votos a seu favor. No caso de João Paulo, há cinco –o de Peluso e os dos ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello.

Quanto à perda do mandato, a posição de Peluso deve ser endossada pelos colegas. Em entrevista, Marco Aurélio Mello já declarou que, uma vez decretada pelo Supremo, a extinção do mandato é automática. Mas o presidente da Câmara, Marco Maia, companheiro de partido de João Paulo, pensa de outro modo.

Para Maia, a palavra final é do plenário da Câmara, não do Supremo. Assim, é preciso que um partido político formalize o pedido, que a Mesa Diretora defira e que o requerimento siga os trâmites usuais. Com pressa, é coisa para seis meses. Com vagar, mais de um ano.

Nesse contexto, as manobras judiciais ganham especial relevo. João Paulo não pode ser considerado culpado antes que todos os recursos ajuizados por ele sejam apreciados pelo plenário do STF. Só então o processo atingirá a fase que os advogados chamam de 'trânsito em julgado'.

Além do "embargo infringente" que usará para questionar a condenação por 'lavagem', João Paulo planeja protocolar no STF dois "embargos de declaração" –um para a corrupção passiva e outro para o peculato. É um tipo de recurso que não permite senão pedir que sejam esclarecidos eventuais pontos obscuros do acórdão condenatório.

Ainda que malsucedidos, os três recursos podem empurrar a execução das penas para meados de 2013. O jogo de João Paulo estará jogado se ele for preso. Atrás das grades, não terá como dar expediente na Câmara.

Do contrário, beneficiado pelo espírito de corpo da corporação e pelo rito prescrito por Marco Maia, não são negligenciáveis as chances de o condenado se manter na folha da Câmara pelo prazo que deseja. Um golpe de barriga aqui, um recesso ali e chega-se facilmente a dezembro de 2014.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.