Mensalão mostra que o impeachment foi uma oportunidade que o país deixou de aproveitar
Neste sábado (29), o impeachment de Fernando Collor faz aniversário de 20 anos. Quem olha ao redor enxerga um cenário crivado de ironias. Collor é hoje um senador do PTB, partido de Roberto Jefferson. Ex-integrante da milícia congressual de Collor, Jefferson agora protagoniza a cena como delator do mensalão.
Com o suor do seu dedo, Jefferson produziu o escândalo que arrastou para o banco dos réus do STF o PT, o governo Lula e sua base aliciada. Uma base à qual Collor incorporou-se gostosamente, convertendo-se de alvo em aliado do poder petista. No plenário do Senado, suprema ironia (!), Collor senta-se em poltrona próxima à do colega Lindbergh Farias (PT-RJ), o ex-líder estudantil que personifica a geração dos 'caras-pintadas'.
O pano de fundo sugere uma pergunta incontornável: que lições o Brasil retirou do impeachment? O país não aprendeu coisa nenhuma com a encrenca de 20 anos atrás, eis a desalentadora resposta. Esqueçam-se todos os escândalos posteriores –dos Anões do Orçamento ao Clube Nextel de Carlinhos Cachoeira. Tome-se, por paradigmático, o próprio caso do mensalão.
Quem assiste às sessões do Supremo choca-se com o quadro abominável a que foi arrastada a política nacional. Adicionam-se à indagação principal outras questões subsidiárias:
Essa lição já não deveria ter sido aprendida? A deposição do presidente não sinalizara a mudança? Não ficara entendido que o Brasil estava de saco cheio? Não estava combinado que os políticos abandonariam o crime? Não parecera evidente que os eleitores deixariam de votar em criminosos?
Basta folhear os jornais para chegar à resposta de todas as indagações: NÃO. O que parecia claro há duas décadas torna-se obscuro a cada irrupção de um novo escândalo. E eles chegam em profusão. Há câmaras municipais e Assembléias contaminadas. Há prefeituras e governos estaduais bichados. Há corruptores à espreita e corruptos de prontidão. A faxina que Dilma Rousseff viu-se compelida a fazer na Esplanada lateja fresca na memória.
Tomado pelas primeiras condenações que proclamou no julgamento do mensalão, o STF parece ter se dado conta de que o Brasil vive um segundo momento de ultrapassagem. Deposto, Collor foi absolvido na Suprema Corte pela falta de um "ato de ofício". Agora, os supremos magistrados evoluem para a tese de que basta o oferecimento ou a aceitação da propina para que o corrompido seja considerado culpado.
Ora, a denúncia contra Collor trazia provas de que a dinheirama suja coletada por PC Farias custeava dos jardins da Casa da Dinda aos cartões de crédito da primeira-madame. Mas faltou o famigerado "ato de ofício", agora tido por desnecessário. Se a autoridade tem o poder de editá-lo e entrega-se à corrupção, corrompida está.
A simples presença do mensalão nas manchetes constitui evidência eloquente de que o impeachment de Collor não foi senão uma oportunidade que o Brasil absteve-se de aproveitar. O futuro agora encontra-se enganchado noutra pergunta: até quando o país vai permitir que a banda podre prevaleça?
Personagem central da CPI que levou ao expurgo de Collor, o motorista Eriberto França é hoje um brasileiro desapontado e desempregado. Ouvido pelo repórter Leandro Colon, ele disse:
"Se eu falar para você que me arrependo, estou mentindo. Se eu falar que não, estou mentindo também. Porque se, na atual circunstância, você perguntar: 'Eriberto, você faria tudo de novo?' Eu vou botar a mão na cabeça e vou dizer: 'não faria'. Sabe por quê? Porque não compensou. Sofrer duas vezes, passar o que passei, o sufoco, e ainda não ter sido reconhecido?" É, faz sentido.
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