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Josias de Souza

Petista faz pesquisa nos arquivos da Câmara para contestar compra de votos do mensalão

Josias de Souza

03/10/2012 03h43

Ex-líder de Lula e de Dilma Rousseff, Cândido Vaccarezza (PT-SP) decidiu buscar nos arquivos da Câmara elementos para refutar o entendimento do STF de que houve compra de votos de deputados no primeiro governo petista.

A pesquisa está apenas no início. Mas Vaccarezza julga já ter reunido dados que lhe permitem dizer que o raciocínio esgrimido pelo relator Joaquim Barbosa e endossado pela maioria dos ministros do Supremo "não condiz com a realidade."

O deputado iniciou seu levantamento pela proposta de emenda constitucional de reforma da Previdência. Foi votada pela Câmara no segundo semestre de 2003, primeiro ano do governo Lula. Nessa mesma época aprovou-se uma proposta de reforma tributária.

Servindo-se de cifras citadas na denúncia da Procuradoria, Barbosa anotou no seu voto que, em datas próximas aos dias das votações, o esquema operado por Marcos Valério molhou as mãos de deputados aliciados com R$ 14,8 milhões.

Vaccarezza recuperou no Diário da Câmara a transcrição dos discursos da sessão de 14 de agosto de 2003. Constatou que o PTB de Roberto Jefferson divergiu do governo num "ponto crucial" da reforma previdenciária.

Discutia-se a fixação de um teto para a remuneração de servidores públicos. Não poderia exceder o salário dos ministros do STF. A regra valeria inclusive para detentores de mandatos eletivos.

Abrangente, a proposta anotava que "proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal…"

O PTB torceu o nariz para a expressão "vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza". O partido entendeu que, aprovada a proposta, os deputados perderiam o direito de receber verbas para o custeio de despesas dos seus gabinetes.

Em nome da bancada do PTB, Nelson Marquezelli (SP), vice-líder da legenda na Câmara, apresentou uma emenda. No jargão legislativo, serviu-se de um DVS (destaque para votação em separado). Previa a supressão da expressão "ou de qualquer natureza".

Relator do projeto, José Pimentel (PT-CE) informou que as verbas indenizatórias dos parlamentares não seriam podadas. "Ora, se não nos afeta, vamos retirar essa expressão", discursou Marquezelli.

Em nome da bancada do PL (hoje rebatizado de PR), foi ao microfone o então deputado Bispo Rodrigues (RJ), um dos condenados no julgamento do mensalão. Ele liberou seus liderados para votar como bem entendessem.

"Quero dizer aqui que não sou líder de criança alguma", disse Bispo Rodrigues. "O mais bobinho aqui é deputado e chegou à Casa graças à sua capacidade. E cada um sabe o que é melhor para si. Portanto, vamos liberar a bancada. Que cada um vote com a sua consciência e seja senhor das consequências do seu voto."

Roberto Jefferson, outro réu já condenado pelo Supremo, também discursou. Disse que havia alertado sua bancada para o fato de que o risco de corte das verbas dos deputados seria tratado pelos demais partidos com "farisaísmo".

Jefferson foi contra a apresentação da emenda. Mas rendeu-se à vontade da maioria de sua bancada. "Essa não é uma questão do PTB, é uma questão da Câmara como um todo", declarou ele na sessão. "[…] Eu disse à minha bancada que, pessoalmente, preferia jogar no farisaísmo. Por que não aparecer de cara boa no retrato amanhã? Só o PTB vai apanhar? Só eu vou apanhar?…"

Levada a voto, a emenda do PTB foi rejeitada. Prevaleceu o texto do governo. Mas Vaccarezza afirma que, se estivessem comprados, os deputados do PTB não teriam apresentado a emenda. E o líder do ex-PL não teria liberado sua bancada.

Vaccarezza realça, de resto, que o texto original foi mantido com o auxílio do PPS, do PSDB e do então PFL. Fovoráveis à reforma da Previdência, os líderes das três legendas de oposição recomendaram o voto a favor da preservação do texto.

Um detalhe enfraquece o argumento de Vaccarezza. A base do texto da reforma já havia sido aprovada quando o PTB apresentou a sua emenda. Quer dizer: discutia-se um detalhe da proposta, não a sua essência. Ao final, aprovou-se a proposta nos termos  do governo. Foi promulgada em 19 de dezembro de 2003. As verbas de gabinete dos deputados continuaram fluindo.

Alheio à pesquisa do deputado petista, o STF começa a julgar nesta quarta (3) a "fatia" do processo que inclui os corruptores do mensalão. São dez os acusados de corrupção ativa. Entre eles os grão-petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.

A sessão será aberta com a leitura do voto do relator Joaquim Barbosa. Conforme já noticiado aqui, ele irá condenar a tróica do PT. Fará isso em homenagem aos dados contidos nos autos e à lógica. Se o STF condenou os deputados corrompidos, precisa levar ao patíbulo os corruptores.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.