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Josias de Souza

Delúbio: o PT sofreu uma ‘operação de guerra’ que ‘judicializou a política e politizou a Justiça’

Josias de Souza

02/11/2012 04h40

A pretexto de comentar o resultado das eleições municipais de 2012, Delúbio Soares veiculou em seu blog um artigo apinhado de referências ao caso que lhe rendeu duas condenações no STF: corrupção ativa e formação de quadrilha. "O recado das urnas", eis o título da peça (pode ser lida aqui).

Com outras palavras, o ex-tesoureiro do PT sustenta no texto a tese de que as urnas absolveram seu partido e as legendas aliadas. Anota que, com a ajuda da "mídia partidarizada", a oposição propagou nas campanhas "mentiras" sobre a ação penal do mensalão. "E, por isso, perdeu."

Para Delúbio, "Jamais […] o eleitorado foi tão bombardeado pela manipulação midiática, a distorção dos fatos e uma autêntica operação de guerra montada na tentativa (vã, por sinal) de derrotar o Partido dos Trabalhadores e os seus candidatos."

Em linguagem ácida, Delúbio escreve que a oposição repetiu na disputa municipal de 2012 as "práticas fascistóides" que usara na campanha presidencial de 2010. Numa crítica indireta ao STF, cuja composição atual inclui sete ministros indicados por Lula e Dilma Rousseff, insinuou que o tribunal julga politicamente.

Ao esmiuçar a tática empregada contra o PT, tachada por ele de fascista, Delúbio empilha um lote de evidências –da "homofobia" à "deturpação da fé religiosa". Incluiu entre as "marcas indeléveis do processo eleitoral" dois fenômenos: "a judicialização da política e a politização da Justiça" (aqui, a crítica aos ministros do Supremo, que nos próximos dias devem sentenciá-lo à pena de prisão).

"A repetição de mentiras relativas à ação penal 470 se transformaram na mais forte –e, talvez, única– mensagem da grande maioria dos candidatos da oposição", anotou Delúbio a alturas tantas. O Brasil vive, segundo ele, "uma época de subversão de valores". E o PT, atestaram as urnas, não tem nada a ver com isso.

Delúbio segue adiante: "Qual a proposta da oposição para a delicada questão do planejamento urbano? Mensalão! E para a saúde nos municípios? Mensalão! E para a segurança pública, a educação, os transportes, a habitação? Mensalão!"

No trecho em que mais se aproxima da tese segundo a qual as urnas lavaram a honra do PT, dele próprio e de condenados como José Dirceu e José Genoino, Delúbio sustenta que, ao trombetear o mensalão, a oposição "apostou na despolitização do nosso eleitorado e numa suposta ignorância de uma massa que seria desinformada, ignorante e que não saberia interpretar os fatos e nem desconfiar do jogo sujo da manipulação da notícia pela mídia partidarizada."

Considerando-se que a mídia não fez senão noticiar os votos dos ministros do STF, Delúbio parece considerar que o eleitorado, por politizado e inteligente, deu de ombros para as sentenças. É como se o ex-gestor das arcas do PT considerasse que o brasileiro dá de barato que não houve corrupção nem quadrilha, mas apenas "verbas não contabilizadas", o caixa dois que todos sempre fizeram.

Num exercício de generalizado reducionismo, Delúbio afirma no texto que a oposição "não apresentou propostas administrativas nem tratou de questões fundamentias" durante a campanha. "E, por isso, perdeu."

Ecoando as avaliações feitas pela direção do seu partido, Delúbio repete que "a vitória das forças democráticas e progressistas, representadas pelo PT e pelos partidos da base aliada, foi evidente e incontestável em mais de 70% das prefeituras municipais em disputa."

Ironicamente, ao listar os candidatos "governistas" que emergiram das urnas em triunfo, o condenado do mensalão incluiu na lista dois ex-tucanos que, como deputados federais, tiveram atuação destacada na CPI dos Correios, palco da primeira grande autopsia do escândalo: o prefeito reeleito do Rio, Eduardo Paes, hoje no PMDB; e o prefeito eleito de Curitiba, Gustavo Fruet, agora no PDT.

Incluiu também entre os êxitos que ajudaram a "empanar" as vitórias eleitorais da oposição resultados de capitais nais quais "a disputa se deu entre partidos que apoiam Dilma e apoiaram Lula". Nessa lista, mencionou Belo Horizonte, onde o prefeito Márcio Lacerda (PSB) prevaleceu sobre Patrus Ananias (PT).

Abstendo-se de recordar o fato de que Lacerda foi às urnas apoiado pelo presidenciável tucano Aécio Neves, contra Dilma, Delúbio conclui que "a oposição (PSDB e DEM) foi riscada do mapa pelo voto popular." Acrescenta: "Pior quadro para os que nos fazem oposição seria impossível."

Ao longo do artigo, Delúbio cita Fernando Haddad três vezes. Refere-se ao desempenho do pupilo de Lula em São Paulo com adjetivos enaltecedores: "expressiva vitória", "vitória folgada", "retumbante vitória". Refere-se a José Serra em duas passagens.

Numa, insinua que o ex-rival de Haddad serviu-se da mídia: "Manchetes de alguns jornais foram paridas com o objetivo específico e indisfarçável de frequentar os programas eleitorais da oposição na TV, numa prática condenável e nada discreta, exatamente como foi feito em 2010 na tentativa desesperada de derrotar Dilma Rousseff e eleger o tucano José Serra."

Noutro trecho, deixa antever o incômodo que lhe causaram as peças que evocaram o mensalão na propaganda tucana. Acha que isso "permitiu que os brasileiros aquilatassem a ausência total de propostas, […] expressa na baixaria em que se constituiu a cruzada reacionária, denuncista, preconceituosa e falso-moralista do derrotado José Serra, o arauto do baixo nível na vida pública brasileira."

Delúbio decretou a extinção da oposição –"foi riscada do do mapa"— sem levar em conta o ressurgimento do PSDB em pedaços do Norte e do Nordeste. Tampouco fez referência às vitórias do tucano Arthur Virgílio (Manaus) e do 'demo' ACM Neto (Salvador), candidatos contra os quais Lula e Dilma quebraram lanças.

De resto, incluiu na conta dos "aliados" vitoriosos a cidade de Fortaleza, onde Roberto Cláudio, do PSB dos irmãos Cid e Ciro Gomes, derrotou Elmano de Freitas, um petista que dividiu palanque com Lula. Porém, evitou incluir na conta a cidade de Recife, onde Geraldo Júlio, do PSB do neopresidenciável Eduardo Campos, esmagou o petista Humberto Costa no primeiro turno.

Na leitura conveniente de Delúbio, "o recado das urnas" foi claro como a tesouraria "não contabilizada" do ex-PT: a oposição não saiu apenas enfraquecida. Foi extinta. E o condomínio que junta o PT aos velhos aliados, não apresenta nenhuma rachadura. Tudo isso somado à evidência de que os eleitores como que absolveram o petismo dos crimes que o STF "politizado" sacramentou e a mídia "reacionária" manchetou.

Dito de outro modo: por ora, o companheiro parece considerar que tudo acabou em piada de salão, como vaticinara em 2005. A 'dosimetria' do Supremo talvez o convença de que urna não é tribunal. Muito menos lavatório de honras enodoadas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.