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Josias de Souza

Em 2010, Dirceu ‘defendeu’ estatuto e regras disciplinares que o PT evita aplicar contra ele

Josias de Souza

04/11/2012 20h53

Em novembro de 2010, logo após a vitória de Dilma Rousseff sobre José Serra na eleição presidencial, José Dirceu concedeu uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. A certa altura, a conversa descambou para o mensalão. Um dos entrevistadores questionou o ex-chefe da Casa Civil de Lula sobre o fato de o PT não ter explicado convenientemente o escândalo. Dirceu retrucou:

"O PT não só explicou como tomou medidas disciplinares e estatutárias. Delúbio Soares foi expulso do partido. Silvio Pereira se desfiliou do PT. O PT tomou uma série de medidas estatutárias, regimentais, criou um código de ética, adotou uma série de medidas em relação ao procedimento dos seus filiados. O que não pode é um partido político como o PT, que tem 30 anos de história no país, tem um erro grave, paga por esse erro e o partido ser também demonizado por causa desse erro." Qual foi o erro do PT?, perguntou-se a Dirceu. E ele, seco: "Caixa dois."

O tempo passou. Decorridos seis meses da entrevista, no final de abril de 2011, Delúbio Soares foi readmitido nos quadros do PT. Com o aval de Lula, a volta do ex-tesoureiro foi aprovada pelo diretório nacional da legenda por maioria acachapante: 60 votos a 15. Na mesma reunião, elegeu-se para a presidência do partido Rui Falcão, que soou assim: "Como não existe pena perpétua, nós encaramos esse retorno do Delúbio com naturalidade".

O tempo passou mais um pouco. José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino foram condenados pelo STF por corrupção ativa e formação de quadrilha. Para casos assim, de condenação na última instância do Judiciário, o estatuto do PT, aquele que Dirceu enaltcera na entrevista de 2010, preconiza a expulsão. A pena está prevista no item VII do artigo 231. Anota que os filiados serão excluídos da legenda quando houver "condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado."

Na semana passada, Rui Falcão disse que o PT não expulsará Dirceu, Delúbio e Genoino. "O estatuto não se aplica a eles", disse. Os réus condenados não se dão por achados. As reprimendas éticas criadas pelo partido na fase pós-mensalão viraram letra morta. A entrevista daquele Dirceu de dois anos atrás virou pó. E o PT perambula pela cena política como ex-PT.

– Pressionando aqui, você chega ao vídeo com a entrevista de José Dirceu ao Roda Viva. As referências ao rigor estatutário começam aos 18min15s da gravação.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.