As cadeias seriam outras se o doutor Cardozo fosse o ministro da Justiça de Dilma Rousseff
Uma das coisas que se poderiam esperar se José Eduardo Cardozo se ele tivesse sido nomeado ministro da Justiça seria a rápida inserção do drama carcerário na agenda do governo. A adoção de providências contra flagelos como a superlotação dos presídios e a prevalência das facções criminosas sobre o Estado talvez não compensassem do dia pra noite o descaso secular. Mas uma satisfação aos presos submetidos a violações diárias dos seus mais comezinhos direitos certamente estaria na agenda de prioridades de José Eduardo Cardozo se ele tivesse sido acomodado na pasta da Justiça.
Não é papel de repórter fazer sugestões a presidentes da República. Mas já que ninguém se habilita, por que não sugerir a Dilma Rousseff, uma ex-torturada, que aproveite a fase de ajustes ministeriais para levar à poltrona de titular da Justiça um novo ministro. Um nome emerge como opção natural: José Eduardo Cardozo. Não o Cardozo nomeado por Dilma há dois anos, mas o Cardozo que Nelson Rodrigues chamaria de "escocês". Aquele Cardozo que há dois dias declarou a empresários que prefere morrer a passar uma temporada longa numa cadeia brasileira.
Esse Cardozo legítimo, advogado com canudo da USP, cultor de valores humanistas, muito respeitado entre os juristas, que se lançou na política, passou pela Assembléia Legislativa de São Paulo e ocupou uma cadeira de deputado federal pelo PT, esse Cardozo jamais trataria o orçamento da Justiça com a negligência do outro Cardozo. Se Dilma o tivesse nomeado, não permitiria que o dinheiro federal destinado às penitenciárias fosse subutilizado como revelado pelos repórteres Andreza Matais, Gustavo Patu e Fernanda Odila.
Dos R$ 312,4 milhões reservados no Orçamento da União de 2012 para a melhoria das condições carcerárias apenas R$ 63 milhões foram aplicados. O Cardozo legítimo seria algo de novo no Ministério da Justiça. Seria impensável imaginá-lo convivendo com assessores que consideram "comum e aceitável no setor público" gastar menos do que o previsto no já exíguo orçamento.
Com os R$ 250 milhões que permanecem entesourados, o Cardozo "escocês" teria construído oito xilindrós novinhos em folha se fosse ele o ministro. Sem superfaturamentos, cada unidade sairia a R$ 30 milhões. Não resolveria todo o problema, mas proveria calabouços decentes para os companheiros encrencados no julgamento do mensalão.
E o ministro José Antonio Dias Toffoli não precisaria passar pelo vexame de invocar o inquisidor Tomás Torquemada no plenário do STF para lamentar que condenados como o amigo e ex-chefe José Dirceu sejam enviados à "fogueira" pós-moderna dos presídios "medievais" do Brasil. Melhor: os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello não teriam razões para recordar que o Ministério da Justiça é parte do descalabro das cadeias.
Dilma precisa apressar-se. Do contrário, o doutor Cardozo, o autêntico, terminará concluindo que a repercussão do discurso que fez diante dos empresários desaconselha que aceite um convite para compor a Esplanada. Se demorar muito, quando a presidente resolver convidá-lo, Cardozo talvez responda que prefere morrer a assumir o (en)cargo de ministro da Justiça.
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