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Josias de Souza

Contra prisão no mensalão, Toffoli impôs mais de 13 anos de cadeia a deputado noutra ação

Josias de Souza

16/11/2012 05h13

O ministro José Antonio Dias Toffoli revelou-se um magistrado de dois gumes ao declarar que penas de prisão como as impostas aos réus do mensalão combinam "com o período medieval". Em voto elaborado há dois anos, Toffoli não parecia tão incomodado com a precariedade dos cárceres brasileiros ao condenar o deputado Natan Donadon (PMDB-RO) a 13 anos, quatro meses e dez dias de prisão. Um suplício maior do que os dez anos e dez meses impostos a José Dirceu, amigo e ex-chefe de Toffoli na Casa Civil do governo Lula.

Rememorado pelo repórter Francisco Reali, o julgamento de Donadon ocorreu em outubro de 2010. Toffoli era o revisor do processo, papel que na ação do mensalão é exercido por Ricardo Lewandowski. Carmen Lúcia fazia as vezes de relatora, atribuição de Joaquim Barbosa na ação penal 470. Donadon era acusado de peculato e formação de quadrilha. Atuara como diretor financeiro da Assembléia Legislativa de Rondônia no final da década de 90. Nessa função, desviara R$ 8,4 milhões em verbas públicas.

No caso Donadon, a relatora Carmen Lúcia e o revisor Toffoli falaram a mesma língua ao analisar o crime de formação de quadrilha. Ambos condenaram o deputado a dois anos e três meses de cadeia. Pelo mesmo crime, José Genoino e Delúbio Soares mereceram do Supremo dosimetria idêntica. José Dirceu amargou uma dose ligeiramente superior: dois anos e 11 meses. Relatora e revisor divergiram quanto ao castigo de Donadon na imputação de peculato.

Nesse ponto, Carmen Lúcia impôs ao deputado 13 anos e nove meses de prisão. Toffoli calculou uma pena menos draconiana: 11 anos, um mês e dez dias. A maioria dos ministros que compunham o plenário do STF à época acompanhou o revisor. Feita a soma, chegou-se à sentença de 13 anos, quatro meses e dez dias -até então, a mais pesada condenação já imposta a um réu pelo STF.

No caso do mensalão, foram condenados por peculato o deputado petista João Paulo Cunha, o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e o operador Marcos Valério. As penas de João Paulo e Pizzolato ainda não foram calculadas. A de Valério, nessa imputação, somou dez anos, cinco meses e seis dias. Menor, portanto, que os mais de 11 anos estipulados por Toffoli e referendados pela maioria dos membros do STF.

Não se ouviu à época nenhum apelo dramático de Toffoli pela conversão do castigo físico em pena exclusivamente pecuniária. Ao contrário. "As provas que instruem este processo revelam a extrema censurabilidade do comportamento do agente e, em igual medida, a reprovabilidade de sua conduta", dissera Toffoli há dois anos. Ele pintara o condenado Donadon com tintas fortes:

"Pessoa que, valendo-se do fato de seu irmão, deputado Marcos Donadon, ser o presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia, aderiu a verdadeiro estratagema para desvio de recursos públicos, por intermédio de empresa de fachada irregularmente contratada para prestação de serviços de publicidade."

Nas palavras desse Toffoli de 2010, Donadon comportara-se "como se seus interesses interesses pessoais estivessem acima de todas as diretrizes e regras traçadas pela lei." Dera a entender que o envio do acusado ao calabouço era mais do que merecido. Nada de evocar o inquisidor Tomás Torquemada. Nenhuma palavra sobre as "fogueiras" pós-modernas em que se converteram os "medievais" presídios brasileiros. Hoje, a presença de réus petistas no processo sob julgamento parece ter despertado em Toffoli insuspeitadas preocupações humanistas.

Decorridos mais de dois anos do julgamento, o condenado Natan Donadon não passou um mísero dia atrás das grades. Continua frequentando os corredores da Câmara como se nada houvesse sucedido. A defesa do deputado protocolou no STF embargos contra a condenação. E o tribunal não se dignou a julgá-los até hoje. A turma do mensalão também prepara os seus recursos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

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