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Josias de Souza

Isolado, relator da CPI discute ‘saídas’ com PT

Josias de Souza

25/11/2012 06h44

Relator da CPI do Cachoeira, o deputado Odair Cunha (PT-MG) vive um drama. Apresentou como relatório final da comissão um cartapácio de 5 mil páginas. Refugada até pelos aliados do petismo na comissão, a peça conduziu o autor a uma encruzilhada. Levando-a a voto como está, Odair amargará uma derrota. Modificando-a, flertará com a desmoralização.

Isolado, Odair procurou Rui Falcão, o presidente do PT. A dupla decidiu convocar para esta segunda-feira (26) uma reunião dos congressistas que compõem a infantaria petista na CPI. Para quê? Em conversa com o blog, um dos convidados resumiu a cena: "Vamos discutir saídas para contornar a situação. Não há clareza sobre o que vai acontecer."

Curiosamente, foi o excesso de clareza que fez de Odair um relator encalacrado. O deputado fez do seu relatório uma plataforma da vingança do PT. Citou 12 jornalistas que se relacionaram com o grupo de Carlinhos Cachoeira. Propôs o indiciamento de cinco por "formação de quadrilha". Entre eles Policarpo Júnior, de 'Veja' –uma revista que o petismo enxerga como "inimiga".

De quebra, Odair sugeriu a abertura de investigação do Conselho Nacional do Ministério Público contra o procurador-geral Roberto Gurgel. Algoz dos mensaleiros no STF, Gurgel é acusado de ter prevaricado ao "engavetar" a Operação Vegas, precursora da Monte Carlo.

Até os aliados do PT na CPI, à frente o PMDB, receberam o relatório de Odair como um texto duro de roer. Considera-se que, rendido à fome de "vingança" do PT, o relator distanciou-se dos interesses médios da comissão. Ao farejar o cheiro de derrota, o próprio Odair adiou por duas vezes a votação do seu calhamaço. Fez isso sob os holofotes da CPI, expondo a encrenca em que se meteu.

Odair atravessou a semana passada como um personagem indefeso. Nem mesmo Rui Falcão animou-se a defendê-lo em público. Só na sexta-feira (23), o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, divulgou uma nota de socorro ao correligionário. No texto, Tatto defendeu Odair de ataques do governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, personagem central do relatório. Não disse palavra sobre o indiciamento de repórteres. Nada sobre Gurgel.

Embora tenha contemplado no relatório os desejos mais íntimos do PT, Odair é criticado dentro do seu próprio partido. Acusam-no de imperícia. Em abril, quando a CPI foi inaugurada, o PT reunia sua tropa semanalmente. Diz-se que, com o tempo, Odair isolou-se. Os encontros rarearam.  E o deputado produziu o texto de costas para negociação política que o tornaria um documento viável. Odair dividiu opiniões apenas com uns poucos amigos, especialmente Tatto e Paulo Teixeira (PT-SP), vice-presidente da CPI.

Absteve-se de consultar os demais petistas e, sobretudo, os aliados do condomínio governista. Em privado, o próprio Rui Falcão diz que não teve conhecimento prévio do relatório. Ao servir o seu prato feito, Odair provocou uma indigestão generalizada. Viu-se compelido a admitir a hipótese de retirar alguns ingredientes da receita –os jornalistas, por exemplo.

O PT está amarrado a Odair –um pedaço por convição, outro naco por solidariedade partidária. Mas os aliados de outras legendas consideram-se desobrigados de segui-lo. Alguns chegam mesmo a declarar-se aliviados pela ausência de consultas prévias. O excesso de veneno submete a CPI ao risco de terminar sem um relatório formal. Algo que potencializaria o fiasco.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.