E-mails revelam influência de Rose sobre Lula
A prudência preenche um formulário, marca hora e toma chá de cadeira na antessala. A intimidade sobe pelo elevador privativo, entra sem bater e sussurra no ouvidinho. Muito chegada a Lula, Rosemary Noronha, a Rose, esqueceu de maneirar. Acabou virando estrela da Operação Porto Seguro. E arrastou para dentro do inquérito duas consoantes que deveriam ser imaculadas: 'PR'.
PR era como Rose se referia ao presidente da República nos e-mails que trocava com os irmãos Paulo e Rubens Vieira, dois expoentes do grupo que traficava interesses privados na administração pública. Colecionadas pela Polícia Federal no curso da investigação, as mensagens eletrônicas revelam como a chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo usava a influência que exercia sobre Lula para cavar nomeações para cargos graúdos.
"Cara Rose, eu preencho todos os requisitos para o cargo", escreveu Rubens Vieira em e-mail de 20 de janeiro de 2009. "Sou o corregedor-geral da agência desde agosto de 2006 […]. Fui professor na Universidade Federal de Rondônia. Publiquei diversos artigos em jornais de grande circulação."
Rose respondeu: "Oi, Rubens. Vou tentar falar com o PR na próxima terça-feira na sua vinda a São Paulo. Me envie seu currículo atualizado e os artigos que o Paulo falou. Se você estiver aqui em São Paulo, posso te colocar no evento na terça-feira à tarde. Pelo menos você cumprimenta só para ele lembrar de você. Aí, eu ataco! Beijocas."
Rubens forneceu prontamente a matéria prima para o ataque: "Rose, seguem meus artigos publicados e meu currículo. Acredito que outro argumento que podemos levar ao presidente é que, como o corregedor tem como função fiscalizar a atividade institucional da agência, ele tem uma ampla visão do seu funcionamento."
Atacado, Lula enviou ao Senado a indicação de Rubens para a diretoria de Infraestrutura da Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac. Os senadores engoliram o nome. E a nomeação de Rubens foi ao Diário Oficial em julho de 2010. Noves fora as portas abertas pelo cargo, o amigo da amissíssima passou a receber do contribuinte brasileiro contracheques mensais de R$ 23.757,36.
Simultaneamente, Rubens correspondia-se virtualmente com o irmão Paulo Vieira, hoje apontado pela PF como "chefe" da máfia de pareceres. Num e-mail de 21 de janeiro de 2009, um polivalente Paulo revelou a Rubens seu interesse por uma cadeira no Ministério do Turismo. Expôs suas razões. Mas pediu ao interlocutor que não perdesse a Anac de vista.
"Lembre-se que o Turismo pode ser um lugar muito bom para os nossos planos de poder na Bahia e em São Paulo, no tocante à liberação de recursos. Mas a prioridade no momento é a diretoria da Anac", anotou Paulo. Pouco tempo depois, em 6 de abril de 2009, ele acionaria Rose para obter uma diretoria na Agência Nacional de Águas, a ANA.
"Prezada Rose, estou enviando o meu currículo com as informações que eu considerei mais pertinente ao cargo da ANA, apesar de sabermos que o currículo não é fator primordial. Eu penso que o líder do PT também talvez possa ajudar", escreveu Paulo. Ele parecia saber com quem estava falando. Tinha ciência de que o "primordial" era o prestígio da interlocutora junto a Lula e o petismo, não seu currículo.
Decorrida uma semana, Rose respondeu a Paulo: "Ok, já estou agendando a conversa com o JD. A agenda com o deputado Vacarezza vai ficar para o dia 24. Te aviso a hora." Antes de virar assessora de Lula, Rose assessorara José Dirceu no PT por arrastados 12 anos. A PF não identificou o 'JD' da mensagem. Mas a lógica indica que não são negligenciáveis as chances de que fosse o companheiro Dirceu. Quanto a Cândido Vaccarezza, à época líder de Lula na Câmara, ele informa que jamais reuniu-se com Paulo Vieira.
Seja como for, Lula submeteu o nome de Paulo ao Senado. A aprovação foi mais custosa que a de Rubens. Foram necessárias três votações, muita pressão do Planalto e uma manobra. Transpostos os acidentes de percurso, a nomeação de Paulo foi impressa no Diário Oficial um ano e um mês depois das tratativas eletrônicas com Rose. E você, caro contribuinte, passou a pagar mensalmente ao amigo da super-amiga R$ 23.890,85 por mês.
Consumadas as nomeações, Rose tornou-se credora dos irmãos Paulo e Rubens. Segundo a PF, ela obteve verbas e favores da agora conhecida quadrilha. De quebra, não descuidou da família. Pediu a Paulo que providenciasse para que sua filha, Mirelle, fosse acomodada no gabinete de Rubens, na Anac.
Em 8 de novembro de 2010, quando acompanhava Lula numa viagem a Maputo (Moçambique) –ela viajava com o chefe ao exterior amiúde —Rose enviou para a caixa de mensagens de Paulo o seguinte texto: "Bom dia, Paulo. A Mirelle já enviou os documentos? Peço a gentileza de só nomeá-la depois que eu confirmar com o PR. Estou em Maputo. Embarco pra Seul na quarta-feira com ele. Aí, após conversar, te aviso. Obrigada. Abraços, Rosemary."
E Paulo: "Prezada Rose, saudações. A Mirelle me entregou o currículo no domingo. Quando fui verificar, estava sem assinatura. Vou ligar pra ela e ver como podemos pegar a assinatura, pois vou a São Paulo nesta terça-feira. Abraço."
A assinatura de Mirelle foi providenciada. O 'de acordo' do PR também. Tudo ajeitado, Mirelle tornou-se feliz beneficiária de um salário mensal de R$ 8.625,61. Virou, em 1º de dezembro de 2010, assessor da diretoria da Anac. Perdeu a boquinha na semana passada, quando a mãe foi pendurada nas manchetes de ponta-cabeça. Procurado, Lula mandou a assessoria dizer que prefere não comentar. Pena. A plateia ficaria feliz em conhecer as razões que o levaram a enfiar dentro das agências reguladoras dois personagens que a PF enviou à cadeia.
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