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Josias de Souza

Jarbas Vasconcelos diz que ‘Senado é igual à mais esculhambada das câmaras municipais’

Josias de Souza

17/01/2013 22h03

Dentro de 15 dias, o Senado deve reacomodar Renan Calheiros na cadeira de presidente, em substituição a José Sarney. Inconformado, o senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, dissidente do PMDB, declara: "O Senado é igual à mais esculhambada das câmaras municiais do país."

Jarbas disse ao blog que a volta de Renan mergulhará o Senado no "imponderável". Responsabiliza Sarney –"ele conduz a bancada e o próprio Senado como se estivesse no Amapá ou no Maranhão"— e investe contra Dilma Rousseff –"é preciso dizer, sem rodeios, que a presidente da República é conivente com tudo isso". Vai abaixo a entrevista:

– Acha mesmo que o Senado é igual à mais esculambada das câmaras de vereadores do país? Assemelha-se apenas às piores, é igual à mais esculhambada delas, porque há câmaras municipais que são organizadas.

– Esculhambação não é um termo forte? É forte, mas é isso mesmo o que acontece. Basta observar a condução dos trabalhos no Senado. O plenário está sempre lotado de lobistas, de pessoas que não têm nada a ver com o processo legislativo, a gente mal pode se movimentar. Terminamos o ano de 2012 sem votar o Orçamento da União. Descobriu-se que há mais de 3 mil vetos presidenciais sem votar. A desorganização se manifesta nas menores coisas. Quer que eu lhe dê outro exemplo?

– Sim, por favor.: Nas sessões do final do ano, eu fiz duas ou três intervenções em plenário, irritadiço, porque não se votava nada. Pelo regimento, a Ordem do Dia tem que começar às 16 horas. Dava cinco da tarde, Sarney não aparecia e nada acontecia. Indaguei a quem estava presidindo se haveria votação. E as pessoas respondiam: 'Estamos aguardando o presidente Sarney'. E eu dizia: não estou perguntando isso. Quero saber se haverá Ordem do Dia e se o horário será cumprido. Isso vai se acumulando e não se vota nada, a não ser as medidas provisórias, que interessam ao Executivo. Pior: quando chegam ao Senado, essas medidas provisórias já estão carregadas de penduricalhos, cheias de 'jabutis' colocados dentro delas na Câmara.

– Só Sarney pode presidir as sessões? Claro que não. Para isso temos dois vice-presidentes no Senado.

– O que ocorrerá a partir do previsível retorno de Renan à presidência? Vamos mergulhar no imponderável. O episódio da renúncia dele à presidência do Senado aconteceu ontem. Digo ontem por força de expressão. Foi nessa legislatura, que é de oito anos.

– Aconteceu em 2007.: Pois então, é o que eu digo. A coisa é recentíssima. O Renan empurrou com a barriga o calendário para a definição do candidato do PMDB imaginando que conseguiria se livrar das denúncias. É uma estratégia troncha, como dizemos aqui no Nordeste. A coisa agora está em plena ebulição. E vai piorar.

– Por quê? É um erro imaginar que não vai acontecer nada. As pessoas se perguntam: será que, numa bancada de 20 senadores, o PMDB não tem ninguém melhor do que Renan para indicar como sucessor de Sarney? O PMDB não tem outro nome, um senador com menos desgaste? Fica difícil de explicar.

– Por que, afinal, a bancada do PMDB sempre opta por Sarney ou por Renan quando é chamada a indicar um presidente para o Senado? O grande responsável por isso é Sarney. Ele imprime uma orientação pouco democrática e nada sadia à bancada.

– Como assim? Ao longo dos anos, Sarney foi acumulando práticas erradas. Quando questionado, sempre se faz de vítima. Ele conduz a bancada e o próprio Senado como se estivesse no Amapá ou no Maranhão, onde ele resolve tudo pela força e pela tradição. Ele chega e diz: 'Vai ser fulano, vai ser beltrano, vai ser cicrano. Veja o que está ocorrendo agora: sem nenhum tipo de debate, a coisa já está toda definida. Sarney sai e o presidente da Casa vai ser Renan. O líder da bancada do PMDB vai ser Eunício Oliveira. Romero Jucá vai para uma das vice-presidências. É tudo na base do voto de coronel, do voto de cabresto. O pior é que o Congresso continua dando esses exemplos de lamentáveis práticas num instante em que o Judiciário brasileiro, por intermédio do STF, se afirma perante a sociedade.

– Por que senadores como o sr. e Pedro Simon não se apresentam como candidatos para disputar com Renan? Poderíamos até nos apresentar como candidatos. Mas não seria suficiente. Veja o meu caso: tenho a marca da oposição. Era preciso que encontrássemos dentro do PMDB uma pessoa como o senador Luiz Henrique, que está ligado à base do governo. Alguém que pudesse se lançar candidato e tivesse condições de pegar o telefone e marcar uma audiência no Planalto e se apresentar à presidente Dilma como candidato do governo. Coisa que o Simon não pode fazer e muito menos eu.

– Por que menciona Dilma? É preciso dizer, sem rodeios, que a presidente da República é conivente com tudo isso. Ela sabe que a eleição de Renan pode mergulhar o Senado e o país no imponderável. E não tem a capacidade de chamar Sarney para perguntar a ele se não tem outra solução menos traumática.

– Ela esboçou um movimento no ano passado, não? Fez isso de forma atabalhoada, tentando guindar o Edison Lobão. Ficou parecendo que queria se livrar dele no Ministério de Minas e Energia, não ajudar o Senado. Tudo isso sem método, numa manobra pública. Deveria ter chamado Sarney para dizer que o apoio do PMDB é importante para ela, mas que mais importante ainda –para o país e para a democracia –é um Senado revigorado, um Congresso altivo. É evidente que um Legislativo bombardeado pela opinião pública e pela mídia não interessa a ninguém, nem ao governo nem ao país. Muito menos ao processo democrático brasileiro.

– Não lhe parece equivocado atribuir relevo ao Planalto numa escolha que deve ser feita pelo Senado? É uma anomalia. Mas é assim que as coisas têm sido feitas. Essa prática não nasceu com Lula nem com Dilma. Mas os dois se acomodaram nisso. Lula e o PT não inventaram a corrupção. Porém, foram coniventes com ela. A tal ponto que o partido está hoje igual ou pior do que as outras legendas existentes, como o PMDB e outros.

– O que Dilma deveria fazer? Ela se diz uma gerentona, uma mulher dura, inflexível, combativa. Por que não combate isso, por que não enfrenta? Está na metade do governo dela. Por que não chama o feito à ordem? Ela poderia dizer a Sarney e a Renan: 'Estou vendo os editoriais de jornais, as manifestações de articulistas, as reações da opinião pública. A coisa está à vista de todos. Será que isso vai se acalmar depois de uma vitória de vocês?' É evidente que esse lado podre do PMDB pode ignorar o apelo dela. Mas também é evidente que, se eles resolvem esticar a corda, essa corda pode arrebentar. Se arrebentar, prejudica o partido e o Congresso. Mas também prejudica o governo.

– O que significa arrebentar a corda? É uma ilusão imaginar que tudo vai morrer no dia 2 de fevereiro, depois da eleição para presidente do Senado. Todo mundo sabe o que vai acontecer. Vai acontecer o pior.

– O que é o pior? A repetição do que aconteceu em 2007. Serão rememoradas as denúncias velhas. Virão denúncias novas. As coisas envolvendo Renan são muito recentes. Não são desprezíveis as chances de termos a repetição do que já ocorreu: a pauta do Senado fica em segundo plano, ofuscada por um Renan forçado a se defender, muitas vezes usando a presidência do Senado para fazer isso. Não estou criando demônios. Já aconteceu. E não foi em outra década. Foi agora, é tudo recentíssimo. Por isso digo que caminhamos para o imponderável. Agora, já surgem denúncias envolvendo também a Câmara, que não me cabe comentar. Mas imagine o que será do país se caminharmos para uma crise que leve ao estrangulamento simultâneo das duas Casas do Congresso. Uma crise embalada por denúncias, com ameaças de renúncias de mandatos. Isso é positivo? É evidente que não. O processo democrático brasileiro está consolidado. Mas nem por isso precisamos submeter as instituições a testes intermináveis e repetitivos. Sobretudo quando sabemos o que pode acontecer.

– O que fazer? Não tenho nada contra ninguém. Mas não é possível, não é razoável que o PMDB do Senado, numa bancada de 20 senadores, não encontre uma pessoa para colocar no lugar de Renan, que está sendo bombardeado. Algo, aliás, previsível. Me espanta que Renan tenha imaginado que a imprensa não faria o strep-tease dele numa hora como essas. É muito despreparo. E Renan não é um despreparado. Ele sabe disso. Tanto sabe que empurrou a definição da bancada para as vésperas do pleito. Imaginou que, desembarcando em Brasília no dia 28 ou 29 de janeiro, tudo se resolveria. Engano. O debate aflorou.

– Em dezembro, o grupo que o sr. integra cogitou lançar o nome de Luiz Henrique, do PMDB catarinense. Por que não evoluiu? Se Sarney não fosse o que é, teria chamado Luiz Henrique para conversar no instante em que o nome dele foi cogitado. Diria: 'Você não vai ser candidato dissidente, apoiado por independentes. Você vai ser candidato do Senado, com o meu apoio.

– Luiz Henrique disse aos senhores que seria candidato. Por que recuou? Ele chegou a se animar. Dilma o convidou para uma viagem à Rússia. Eu disse a ele que seria ótimo que viajasse. Ele me perguntou por quê. Respondi que ele poderia se apresentar a Dilma como candidato governista. E ela só apoiaria Renan se quisesse. Passaria a ter uma alternativa dentro do PMDB. Só faria a opção pela banda podre se quisesse. Mas ele voltou da viagem e disse que Dilma não tocou no assunto. Ele também não se animou a tocar.

– Ele não poderia disputar sem falar com Dilma? Entendo que sim. Mas ele me disse que preferiria ser um candidato de consenso. Disse a ele que isso não existe. É algo que só ocorreria se Sarney fosse outro, apoiando o Luiz Henrique como candidato da bancada do PMDB. Mas os compromissos de Sarney são subalternos. E todo mundo vai pagar por isso, inclusive a Dilma.

– Por que até a presidente Dilma? Porque ela está sendo conivente com essa desarrumação. Insisto: poderia dizer publicamente que discorda.

– Se ela se contrapõe a Renan, não coloca em risco o que se convencionou chamar de governabilidade? Ela não precisa utilizar as expressões que eu uso, não precisa falar em banda podre. Basta dizer que esses nomes estão sob questionamento por fatos que ocorreram, que não foram inventados. Renan renunciou à presidência do Senado para não ser cassado. Se ela enfrentasse isso, se engrandeceria. Como não enfrenta, amanhã não poderá simplesmente lavar as mãos, dizer que não teve nada a ver com o processo.

– Há algo a ser feito? Ainda existe a possibilidade de surgir um nome do PMDB, alguém como o senador Ricardo Ferraço, do Espírito Santo. Fora disso, teremos de optar por um nome de fora do partido. Creio que o Randolfe [Rodrigues, do PSOL] foi precipitado ao se lançar como candidato.

– Por que dissidentes e independentes não conseguem se entender? Esse nível de desarticulação da gente não vem de hoje. É coisa antiga. A oposição tornou-se inexpressiva em parte por conta de sua própria desorganização. O processo é pobre. O Randolfe é uma bela figura, mas já foi candidato. Disputou contra o Sarney e teve oito votos, um deles o meu. Por que ser candidato de novo? Se não conseguimos um nome do PMDB, é muito melhor concorrer com Pedro Taques [PDT-MT]. É um nome novo, que disputaria pela primeira vez. Esse argumento, aliás, nem é meu, é do Cristovam Buarque [PDT-DF].

– Uma vez definido o nome, seja Ricardo Ferraço ou Pedro Taques, quantos votos terá o adversário de Renan? Se fosse Luiz Henrique, a gente concorreria em melhores condições. Com Ferraço, teríamos de 20 a 30 votos. Com um nome como o de Taques, 18 ou 20 votos.

– É esse o tamanho do pedaço do Senado que o sr. chassifica de sério, em torno de 20 votos? Infelizmente é isso mesmo. As pessoas que poderiam contribuir com a melhoria do ambiente no fundo estão atrás de espaço político. Não querem ser excluídos de comissões, têm medo de ficar isolados. O que é um erro.

– Portanto, o jogo está jogado. Renan presidirá o Senado.: Se tivéssemos o retorno da candidatura de Luiz Henrique, poderíamos sonhar com algo diferente. Do contrário, sem fatos novos, é muito difícil alterar o quadro.

– E daí? Bem, a consequência disso é que nada muda no Senado. A Casa já está equiparada à mais esculhanbada das câmaras municipais do país e tende a ficar pior. Será aprofundada a degradação do Senado, já combalido pela sequência de escândalos, desacertos políticos e má administração que levaram ao chão a imagem da instituição nos últimos anos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.