Sobre a vaquinha do PT e a serventia do crime
As almas mais cínicas poderiam argumentar: a derradeira serventia de um crime, depois de esgotadas todas as suas motivações práticas, é o arrependimento. Assim, depois de comprar consciências no Congresso por razões estratégicas, o PT poderia aproveitar as condenações do STF para tirar proveito do inaceitável, entregando-se aos prazeres da contrição. A legenda gozaria duas vezes –com o crime e com sua expiação. Preferiu, porém, gozar do país.
Como previsto, inaugurou-se na noite passada a cruzada de coleta de fundos para o pagamento das multas impostas pelo Supremo aos petistas da quadrilha –um jantar organizado pela juventude petista de Brasília. Foram postos à venda 170 "convites". Os preços variaram de R$ 100 a R$ 1.000. Informou-se que saíram 150. Mas não desceram às mesas nem uma centena de militantes. Nenhum capa preta. Congressista só havia uma: a deputada Erika Kokai (PT-DF).
Mas, afinal, quanto foi apurado? Organizador do repasto, o dirigente do PT brasiliense Pedro Henrichs informou que a direção nacional do petismo aconselhou-o a não divulgar o resultado da coleta. Porém, não é preciso ser um gênio da matemática para desvendar o segredo de polichinelo do PT. Suponha-se que seja verdadeira a versão de que saíram 150 convites. Considerando-se o valor mínimo (R$ 100) e o máximo (R$ 1.000), foi ao embornal alguma coisa entre R$ 15 mil e R$ 150 mil.
A opção pelo sigilo faz supor que a "vaguinha" produziu pouco leite. Seja como for, a ordenha exigirá mugidos mais sonoro$. Juntas, as multas do STF a Dirceu, Genoino, João Paulo e Delúbio somam R$ 1,8 milhão. O jantar brasiliense valeu mais pela coreografia do que pelas cifras. Os trabalhos foram abertos com um brinde ao companheiro Dirceu. Seguiram-se discursos.
Coube a um senhor chamado Cícero Rola, petista e membro da CUT do Distrito Federal, pronunciar as palavras mais candentes. Chamou Dirceu de "herói". E despejou sobre o microfone coisas assim: "Essa coisa toda é contra o PT, porque a gente mudou a cara do Brasil." A alturas tantas, Rola exagerou: "Se precisar comprometer 100% da minha renda para pagar [as multas], vou pagar."
Ao entrar no resturante, uma galeteria, os petistas cruzaram com uma manifestante solitária: a advogada Marília Gabriela de Farias, 33. A doutora chamou o evento pelos nomes próprios: "absurdo" e "palhaçada". Segurava uma cartaz com um conselho que, se acatado, dispensaria o petismo de levar as mãos ao bolso: "Querem ajudar seus amigos? Dividam com eles parte da pena restritiva de liberdade!!!"
Antes de ir embora, Gabriela colou seu cartaz na porta do estabelecimento. Um dos comensais cuidou de arrancá-lo. Ficou entendido que a turma do galeto não gostou da ideia de dividir com os condenados parte da cana.
No futuro (daqui a, talvez, meio século), quando os responsáveis pelos excessos do ex-PT forem apenas pálidas lembranças na memória dos menos esquecidos, é possível que o partido descubra o valor da contrição. Até lá, a versão oficial do petismo sobre a lambança do primeiro reinado de Lula será a de que o melado não escorreu. Ou por outra, escorreu, mas foi tão pouquinho que ninguém saiu lambuzado. Quer dizer: por muito tempo, aquilo que era um escândalo sobreviverá como um escárnio.
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