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Josias de Souza

Por reeleição, Dilma Rousseff remodela o estilo

Josias de Souza

20/01/2013 08h04

Dilma Rousseff inaugurou no Piauí sua agenda itinerante de 2013: menos Planalto e mais rua

Há uma Dilma Rousseff diferente na praça. A necessidade de desanuviar 2013 para evitar temporais em 2014 levou a presidente a reformar o próprio estilo. Em duas semanas, desfez a carranca e distribuiu sorrisos e afagos para nove pesos pesados do empresariado. Pediu-lhes que ajudem o governo a vitaminar o PIB. De resto, levou seus sapatos, muito afeiçoados ao mármore do Planalto, para passear. Inaugurou um ciclo de viagens que se estenderá pelos próximos meses.

Em conversa com o blog, um dos empresários que estiveram com Dilma disse que se espantou com o que viu e ouviu. Foi um assombro no bom sentido, apressou-se em explicar. Amante de futebol, ilustrou a cena com uma história que afirma ter lido "em algum lugar". Coisa atribuída a João Saldanha.

A seleção brasileira de 70 rumava para uma partida amistosa no Maracanã. Batedores abriam caminho, retinindo as sirenes das motocicletas. Virando-se para Jairzinho, Brito sussurrou: "Tá ouvindo esse barulho, crioulo? Há pouco tempo, estava atrás de nós. Agora está aí na nossa frente".

Colocando-se na posição dos craques, o interlocutor de Dilma comparou: nos dois primeiros anos de governo, ela passou a impressão de estar atrás de nós. Agora, solícita e afável, a presidente manifesta a disposição de abrir todos os caminhos que levam à retomada dos investimentos. A conversa superou todas as minhas expectativas, enfatizou.

Nessa versão, Dilma reconheceu que, sozinho, o governo não obterá o "pibão grandão" preconizado por ela no mês passado. Admitiu que o crescimento acima dos 3% depende da iniciativa privada. Propôs parceria. Nas palavras do empresário: a presidente não cometeu o erro de ditar regras, que seria primário. Disse que queria ouvir. E ela ouviu, tomou notas. Se conseguir desobstruir os canais, como prometeu, pode reverter a desconfiança que segura os investimentos.

As reuniões tiveram uma coreografia nova. Dilma já havia promovido dois grandes encontros coletivos com empresários. Apinhada, a sala rendeu boas fotografias, não diálogos consequentes. Agora, a presidente recebe os visitantes separadamente.  Sozinha. E sem fotos. Persegue resultados, não manchetes.

Já estiveram com Dilma, nessa ordem: Rubens Ometto (Cosan), Murilo Ferreira (Vale), Marcelo Odebrecht (Odebrecht), Luiz Trabuco (Bradesco), Rodolpho Tourinho Neto (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada), Bruno Lafont (Grupo Lafarge), Eike Batista (EBX), Jorge Gerdau (Grupo Gerdau) e Antonio Portela Álvarez (Isolux Corsán). A lista deve crescer.

Há um quê de Lula nessa Dilma que voltou diferente do descanso de final de ano. Em privado, o ex-presidente se dizia impressionado com o volume de críticas ao governo de sua pupila. Ouvia queixas dos próprios empresários e também dos políticos que privam de sua intimidade. Antes, ele as rebatia. De uns tempos para cá, passou a concordar com boa parte dos reparos. Aconselhou Dilma a agir.

Disseminou-se ao redor da presidente a impressão de que o governo vive uma época de faltas: falta de tempo da presidente para a convivência, de cordialidade, de ministros gabaritados no Planalto, de clareza nas metas fiscais, de segurança nos planos de concessão de obras e serviços à iniciativa privada…

Atravessa-se, em contrapartida, uma época de excessos: excesso de concentração administrativa no gabinete da presidente, de hostilidade, de ruídos, de burocracia, de desagregação política, de tensão, de ameaças de instabilidade… Em linha com Lula, Dilma parece convencida de que a intensificação de um desses fatores –ou a acão difusa de todos— apenas dificulta a produção de um 2013 que sirva de alavanca para 2014 e estímulo à reeleição.

Dilma rendeu-se também à crítica segundo a qual a predileção pelo gabinete, em detrimento das ruas, não orna com suas pretensões reeleitorais. Decidiu levar os anúncios de programas oficiais de Brasília para os Estados. Inaugurou no Piauí sua agenda itinerante. Assinou na cidade de São Julião duas medidas provisórias. Numa, elevou o valor do Bolsa Estiagem. Noutra, tonificou o Garantia Safra, benefício a ser pago aos agricultores familiares que tiveram as lavouras torradas pela seca.

Dilma também visitou as obras de uma adutora. Posou para fotos ao lado de operários. Apertou a mão de eleitores. Em discurso, falou de crescimento e erradicação da miséria. O petista José Neci, prefeito da cidade, brindou a visitante com palavras de estímulo à sua reeleição. Num rasgo de populismo, Dilma vestiu, meio sem jeito, um gibão de couro. Mais: recobriu o penteado com um chapéu de vaqueiro.

Embora seja ainda uma personagem incipiente, a nova Dilma já arranca elogios do petismo. Interlocutor frequente de Lula, o senador Jorge Viana (PT-AC), que se prepara para assumir a vice-presidência do Senado, soltou fogos: "Em 15 dias, a presidente fez mais reuniões com empresários do que fizera durante todo o ano passado. São essas pessoas que investem, que correm riscos. É essencial que os empresários sejam tratados como parceiros do governo."

Viana prossegue: "A agenda realizada nas ruas é sempre melhor do que os anúncios de gabinete. Com a experiência de quem já foi prefeito e governador, posso dizer que não faz sentido assinar acordos de bilhões no palácio. Isso tem que ser apresentado perto da população que será beneficiada. Percorrendo os Estados, a presidente ouve as pessoas."

Na opinião de Viana, a soma das duas novidades permitirá a Dilma plantar em 2013 os frutos que serão colhidos em 2014. Acha que, restabelecido o fluxo de investimentos e restaurada a agenda política, restará ao governo "realizar um trabalho intenso para melhorar a infraestrutura e a logística do país ainda neste ano".

Ao ajustar sua rotina às conveniências eleitorais, Dilma mira dois objetivos. Na economia, esforça-se para sonegar aos futuros adversários a matéria prima do crescimento míúdo. Na política, tenta suprir a ausência física de Lula. Na sucessão de 2010, chegou à cadeira de presidente carregada nos ombros do patrono. Agora, tem de caminhar com as próprias pernas.

Na passagem pelos fundões do Piauí, a concessão feita por Dilma à indumentária dos nordestinos fez lembrar uma passagem do ano pré-eleitoral de 1994, quando o então presidenciável Fernando Henrique Cardoso viu-se compelido a incluir a buchada de bode em sua dieta. Em viagem ao município alagoano de Delmiro Gouveia, também acomodou um chapéu de vagueiro no cocuruto e depositou seu manequim de sociólogo da USP no lombo de um animal. Embora FHC tenha se apegado a atenuantes –"Era um cavalo"— o bicho sobrevive no anedotário como um jegue.

Para a próxima sexta-feira (25), a agenda itinerante de Dilma prevê um compromisso menos coreográfico e mais representativo. No dia do aniversário de São Paulo, que coincide com a data natalícia do prefeito, Dilma presenteará a cidade e o companheiro Fernando Haddad com um embrulho de mimos administrativos.

O pacote inclui a entrega de 300 chaves do Minha Casa, Minha Vida, o anúncio da construção de um campus da Unifesp e de um instituto de ensino técnico, além da assinatura de convênio para a abertura de 172 creches. Tudo isso no berço do tucanato.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.