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Josias de Souza

Falta nexo ao despacho de Luiz Fux sobre vetos

Josias de Souza

07/02/2013 18h55

O ministro Luiz Fux, do STF, assinou nesta quinta (7) novo despacho sobre a novela dos vetos presidenciais. Falta nexo à manifestação do magistrado. No texto, Fux tenta esclarecer: a liminar que concedera em dezembro –aquela que obrigara o Congresso a votar mais de 3 mil vetos presidenciais em ordem cronológica– não impede o Congresso de votar outros tipos de proposições. Assim, deputados e senadores estariam livres para deliberar sobre o Orçamento da União.

Eis o que anotou Fux no novo despacho: "Destarte, nos estritos termos da decisão liminar, o Congresso Nacional permanece soberano para apreciar e votar proposições de natureza distinta, segundo sua discrição política e os reclamos de governabilidade."

Prosseguiu: "Consequentemente, todas as proposições não relacionadas aos vetos presidenciais podem e devem ser apreciadas à luz da responsabilidade constitucional do Congresso Nacional, porquanto não interditada 'in totum'a atividade parlamentar por qualquer mandamento originário do Supremo Tribunal Federal."

Fux já havia declarado a mesma coisa em entrevistas e numa nota divulgada em dezembro. Falara, porém, fora dos autos. Como não conseguiu dissolver a polêmica, voltou à carga em posição incômoda. Dessa vez, para imprimir solenidade às palavras, o ministro produziu um despacho formal. Ordenou que fosse enviado ao presidente do Congresso, Renan Calheiros.

Para recordar: a controvérsia nasceu de um mandado de segurança protocolado no STF pelo deputado Alessandro Molon. Ele pedira ao Supremo que suspendesse a decisão do Congresso de apreciar em regime de urgência os vetos de Dilma Rousseff à lei dos royalties. Alegou que o toque de caixa feria a Constituição.

Relator do processo, Fux deu razão ao deputado. Citou o artigo 66 da Constituição e dois de seus parágrafos. Esse artigo fixa o rito de tramitação dos vetos presidenciais no Congresso. Prevê que serão apreciados em ordem cronológica. No parágrafo 4º, anota o prazo: os vetos serão votados até 30 dias depois de recebidos do Planalto.

O parágrafo 6º, claro como água de bica, fecha o ritual: "Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no parágrafo 4º [30 dias], o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final."

Diante de tudo isso, Fux decidira na liminar de dezembro que, antes de votar o veto dos royalties, o Congresso teria de apreciar, cronologicamente, outros 3.059 vetos que se encontravam atulhados em suas gavetas (hoje, já são 3.111). A certa altura, ao discorrer sobre o texto constitucional, o ministro realçara:

"[…] O constituinte de 1988 previu duas consequências claras para o descumprimento do aludido prazo [de 30 dias]: a inclusão do veto na pauta da sessão legislativa seguinte e o sobrestamento das demais proposições, até a deliberação do Congresso Nacional."

Noutro trecho, esse Fux de dezembro de 2012 escrevera: "Aos olhos da Constituição, todo e qualquer veto presidencial é marcado pelo traço característico da urgência, que resta evidente pela possibilidade de trancamento da pauta legislativa em razão da sua não avaliação oportuna", afirmou. "Daí por que não há vetos mais ou menos urgentes. Todos o são em igual grau".

Ficara entendido que, enquanto houvesse na pauta do Congresso vetos por votar, os congressistas não poderiam deliberar sobre coisa nenhuma. A pauta estaria "trancada", como se diz. Ainda na presidência do Congresso, José Sarney viu-se compelido a suspender a votação do Orçamento da União de 2013. Fez isso depois que malogrou a inusitada tentativa de votar 3.060 vetos numa única noite.

Súbito, o ministro Fux, sob assédio da Advocacia-Geral da União e do setor jurídico do Senado, deu meia-volta. Passou a sustentar que sua liminar não quis dizer aquilo que todo mundo entendera. A não-votação dos vetos bloqueia apenas a votação de outros vetos. Nada a ver com outros tipos de propostas. Muito menos com o projeto de lei do Orçamento. Curioso, muito curioso, curiosíssimo.

Não é isso o que está escrito na Constituição. O texto constitucional anota que, vencido o prazo de 30 dias, ocorre "o sobrestamento das demais proposições". O Orçamento da União não é senão uma proposição legislativa que o governo envia anualmente ao Congresso.

Para que o novo entendimento de Fux fizesse nexo, o texto da Constituição teria de ser outro. Algo assim: vencido o prazo de 30 dias fixado para a análise do veto, dá-se "o sobrestamento dos demais vetos, até a deliberação do Congresso Nacional." Numa palavra: não faz sentido.

Líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP) recorda que a decisão de Fux é liminar. Significa dizer que é provisória. Para o senador, o ministro deveria submeter a matéria à imediata deliberação do plenário do Supremo. Líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO) vai além. Avalia que, se tivessem juízo, as lideranças partidárias organizariam uma comitiva para cobrar do STF um pronunciamento rápido sobre o tema.

Está em jogo a restauração de uma prerrogativa básica do Legislativo: o direito de dar a palavra final no processo de elaboração das leis. Do modo como a coisa caminha, nada impede que Renan Calheiros continue levando os vetos presidencias à gaveta em vez de submetê-los à deliberação dos colegas.

Serviço: Aqui, a liminar que Luiz Fux havia expedido em 17 de dezembro (tem 27 folhas).

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.