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Josias de Souza

Em campanha pró-Dilma, Lula ajusta discurso sobre o mensalão: ‘Errou tem que ser punido’

Josias de Souza

01/03/2013 05h23

Em seminário prestigiado pelo governador cearense, Lula ensaiou expiação: 'Somos seres humanos…'

A plateia ria, deleitada. Desvanecia-se com as tiradas do orador. Embevecia-se com seus arroubos. Aplaudia, ovacionava. Era Lula, apresentando-se no encerramento de um evento do PT, em Fortaleza –um dos 13 seminários que o partido fará em diferentes capitais para festejar seu aniversário de 33 anos, dez dos quais no poder federal.

"Aconteça o que acontecer, nós temos candidata a presidenta da República. E vamos eleger a Dilma em 2014", disse Lula em sua penúltima frase. Tudo no discurso evocava a disputa eleitoral, antecipada em um ano e oito meses. A depender da vontade do sábio da tribo, será uma repetição das últimas três sucessões presidenciais.

O PT de um lado, o PSDB do outro, eis o que deseja Lula. É preciso comparar, ele enfatizou. Impregnada de ironia, a sentença final de sua fala elevou às alturas o frisson que se respirava no auditório apinhado de militantes: "Olha, fazer o que nós fizemos, precisa muito bico. Não basta ser grande e colorido, tem que ser pontudo. Como a ponta da estrela desse partido."

O blog assistiu ao seminário do PT ao vivo, graças à transmissão provida pelo partido na internet. Lula falou por mais de uma hora. Além de repisar sua preferência por Dilma e sua gana pelos tucanos, o cabo-eleitoral do PT esboçou as linhas gerais da plataforma de campanha do PT. Baseia-se em três pilares: comparação, comparação e comparação.

Na semana passada, falando num seminário organizado pelo PSDB mineiro, Fernando Henrique Cardoso dissera: "O PT tinha duas metas. O socialismo e a ética. Sobre o socialismo nunca mais falaram. Sobre a ética, meu Deus, não precisamos nem falar." Sem mencionar FHC, Lula respondeu:

"Tem um tema que eles acham que é proibido: a questão da corrupção. Pois bem. Eu duvido, e peço pra vocês estudarem, que tenha na história desse país um presidente que tenha criado tanto instrumento de combate à corrupção quanto eu criei em oito anos. Duvido."

Sem usar a expressão "mensalão", um neologismo que o PT amaldiçoa, Lula falou do escândalo que sacudiu seu primeiro reinado como nunca antes desde a condenação da cúpula do ex-PT no julgamento do STF. Quem ouviu ficou com a impressão de que Lula aproveitou os meses de silêncio sobre o caso para desenvolver um antídoto para o veneno que os adversários destilarão na campanha.

"Companheiros, nós temos que saber o seguinte: nós somos seres humanos, alguns de nós podem cometer erros, é verdade. E quando cometer tem que ser julgado, como todo mundo tem que ser julgado. Errou tem que ser punido. Mas nós não vamos permitir que ninguém jogue em cima de nós a pecha que eles carregaram a vida inteira do jeito de fazer política."

Lula expia o descalabro ético do seu governo pela metade. Ainda apelida de "erros" os crimes que o Supremo esquadrinhou. Mas já não questiona a legitimidade do julgamento. E não contesta mais a inevitabilidade das punições. Sitomaticamente, o reposicionamento materializou-se no dia em que o presidente do STF, Joaquim Barbosa, disse a correspondentes estrangeiros que as ordens de prisão dos condenados do mensalão devem sair antes de julho.

Em vez de dar murro em ponta de faca, Lula prefere agora jactar-se do Agora, prefere jactar-se dos "instrumentos" que criou para lidar com a corrupção. Nas entrelinhas, insinua que fez o que FHC não fizera: "Pode chamar o diretor da Polícia Federal pra perguntar o que era a PF quando eu cheguei e o que era quando eu saí", disse.

"Pode chamar o Ministério Público e perguntar o que eles eram quando eu cheguei e como eles [os procuradores-gerais da República] eram eleitos. Eu, por princípio de sindicalista, indiquei todas as vezes o primeiro da fila, sem verificar quem era", prosseguiu. "E nunca pedi um favor pra eles, e não peço. Façam o que a sua consciência quiser, porque quem julga as pessoas não sou eu. Deus vai julgar e o povo brasileiro vai julgar um dia." Não disse palavra sobre o STF, que já julgou.

Lula arrematou: "Pegue o que fizemos com a Controladoria-Geral da República [da União, na nomenclatura oficial]". O órgão fora criado sob FHC. Porém, no dizer de Lula, "era apenas peça de ficção."

Em fase de muda, Lula absteve-se de reiterar o lero-lero segundo o qual o mensalão não passou de caixa dois de campanha. Mas insinuou que não abandonou a tese. Fez isso ao defender a reforma política como elixir para "moralizar a política nesse país". Na reforma de Lula, o financiamento das campanha seria público e "quem pegasse dinheiro de empresa privada" cometeria "crime inafiançável."

Acha que o bolso do contribuinte é a saída para "baratear os custos das campanhas". Do contrário, disse ele, "em alguns anos só vai poder ser candidato a vereador em Quixadá [Ceará] o representante do Itaú, do Bradesco ou de uma multinacional."

Lula disse à militância extasiada que o partido não tem do que se envergonhar. Ao contrário. Em dez anos, "fizemos tantas coisas nesse país que não temos nenhum direito de temer enfrentar qualquer debate." Quem teme a comparação é "o outro lado", disse, referindo-se ao tucanato. "Eles ficavam sem dormir quando eu falava 'nunca antes na história do Brasil'. Eu fazia isso que era pro povo compreender o que ele tinha e o que ele passou a ter. E a Dilma tem que continuar fazendo, porque a comparação é a evolução das coisas que aconteceram nesse país."

Compara daqui, compara dali Lula fez uma referência explícita ao tucano Pedro Malan, ministro da Fazenda da era FHC. Disse que não teria lançado o Bolsa Família se ficasse preso ao Orçamento herdado do antecessor. "Porque o Orçamento não dava pra pagar as contas! Vocês tão lembrados que o Malan corria todo ano pro Fundo Monetário pra pegar dinheiro pra fechar o caixa."

À medida que ia esmiuçando o raciocínio, Lula cuidava de aproximar o discurso de um linguajar que pode ser encaixado em qualquer mesa de boteco: "É como se o pobre tivesse uma dívida e, ao invés de ele arrumar um jeito de pagar –trabalhar, fazer qualquer coisa—, ele começava a vender a cama, a geladeira, no outro dia o fogão, no outro dia a televisão. Por último ele vendia a alma."

Lula vai retomando os bordões que tiram seus antagonistas do sério. "O que eles fizeram?", pergunta de si para si. "Eles foram destruindo o país", exagera. "Eles foram desmontando o país num processo de privatização sem precedentes", ele acrescenta, sem se dar conta de que Dilma está às voltas com o lançamento de programas que confiam à iniciativa privada obras rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias.

De repente, Lula vai aproximando seus ataques do senador mineiro Aécio Neves, o presidenciável do PSDB. Sem mencionar-lhe o nome, diz que os tucanos costumam vender-se como "bons gestores". Evocando o mote dos governos de Aécio em Minas Gerais, Lula faz piada: "Quando vocês ouvirem as palavras 'vamos dar um choque de gestão', não se iludam: significa mandar peão embora. Significa piorar a qualidade do serviço e mandar gente embora."

Depois de tripudiar do antagonista, Lula achegou-se a Dilma. "O que nós estamos fazendo é apenas o começo. Eles não sabem do que nós somos capazes", disse, sob ovação dos presentes. "Lembro quando eu fui conversar com a Dilma pela primeria vez. Eu ficava pensando: será que essa baixinha vai querer ser presidenta? Porque política é uma desgraça. Politica vicia." Risos.

"E eu: será que ela vai querer ser? Quando eu falei, senti que os oinho dela brilhou. Brilha que não apaga mais". Gargalhadas. "Sabe por quê? Porque a gente tem consciência do que está fazendo nesse país. O brilho apaga para aqueles políticos que comecam o mandato com 80% e terminam com 20%, sem coragem de sair pra rua. Mas pra quem tem coragem de sair pra rua, não acaba nunca. Eles sabem que pra nós não tem tempo ruim."

Pela terceira campanha consecutiva, Lula serve-se da tática do "nós contra eles". É como se tentasse esvaziar a iminente candidatura de Eduardo Campos, do PSB. Uma alternativa que germina no coração do condomínio governista. Ao defender a política de alianças do PT, ele fez uma alusão ao cheiro de queimado. "Tem muita futrica na televisão, fulano briga com sicrano. Eu não tenho dado palpite. Não vou dar declaração. Só tenho certeza de uma coisa: aconteça o que acontecer, nós temos candidata a presidenta da República. E vamos eleger a Dilma em 2014."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.