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Josias de Souza

‘Eduardo candidato é bom para o país’, diz FHC

Josias de Souza

23/03/2013 03h48

Principal esteio da candidatura presidencial de Aécio Neves no PSDB, Fernando Henrique Cardoso acha que será "bom para o país" se Eduardo Campos (PSB) entrar na disputa. "Ainda que seja contra minha escolha, é preciso haver a possibilidade de mudar", diz o xamã do tucanato. "Quanto mais pessoas digam alguma coisa, melhor."

Na opinião de FHC, o governador pernambucano "está pintando" como candidato. Acha bom porque, assim como Aécio, Eduardo e Marina Silva (Rede) têm o que dizer. No curso da campanha, vai-se verificar "quem será capaz de galvanizar" o eleitorado. Na largada, Aécio leva vantagem. Por quê? "Tem apoio em Minas e tem estrutura partidária mais ampla que o Eduardo".

Em entrevista aos repórteres Guilherme Evelin, João Gabriel de Lima e Helio Gurovitz, FHC disse que há no país "um sentimento mudancista". Alheio à taxa de aprovação e ao índice de intenção de votos que Ibope e Datafolha atribuem a Dilma Rousseff, FHC sapecou: "O que está aí está se esgotando."

A íntegra da conversa está disponível aqui. Vão reproduzidas abaixo algumas das principais observações feitas por Fernando Henrique Cardoso:

– Dois turnos: Estão se desenhando aí quatro candidatos [Dilma, Aécio, Eduardo e Marina]. Provavelmente, segundo turno. Sempre houve segundo turno depois que saí. É provável que haja de novo. Como vai ser, sabe Deus! Falta muito tempo. Porque isso foi precipitado, não entendo. Nunca vi o governo precipitar a eleição.

– Projeto alternative: Projeto é uma ideia complicada. O que está aí está se esgotando. Começam a despontar críticas. Há um sentimento mudancista, mas ainda sem dar conteúdo à mudança. Não sei se no povo. Mas entre as pessoas que leem jornal, sim. Inclusive empresários. Para vencer a eleição, tem de chegar embaixo.

– Ausência de crise: Nem sei se é necessário crise. De vez em quando, as pessoas querem aerar. Querem mudar. Meio irracionalmente. Quando tem uma basezinha que não é irracional, o problema se agudiza. Como você vence a eleição? Numa situação em que o eleitorado é fluido e os partidos não seguram nada, depende do desempenho. Depende da mensagem. Na política, não adianta só ter ideia. Tem de fulanizar. Não adianta sentar aqui três meses com um clube de sábios e escrever um projeto. Tem de tocar nas pessoas. E a pessoa tem de ser capaz, ela mesma, de inspirar isso. Precisa ter alguém que expresse esse sentimento e diga: 'Vou fazer isso, me sigam'.

– Aécio Neves: Se não achasse [que ele é capaz de liderar o processo], não o teria apoiado.

– Eduardo Campos: A pior coisa que pode acontecer no país é não haver alternativa. Ainda que seja contra minha escolha, é preciso haver a possibilidade de mudar. Quanto mais pessoas digam alguma coisa, melhor. Independentemente de ser bom ou mau para meu partido, é melhor para o Brasil. Não sei o que Eduardo fará. Está pintando que será candidato. Se for, acho bom para o país. Porque ele e a Marina dizem coisas. Quem será capaz de galvanizar, veremos. No ponto de partida, Aécio tem uma base maior. Tem apoio em Minas e tem uma estrutura partidária mais ampla que o Eduardo. Veremos o que acontece.

– Serra X Aécio: De tudo que ouço do Serra, ele diz que não tem essa pretensão. Nem mesmo de ser presidente do partido. Tenho de acreditar no que ele me diz. O candidato do PSDB será apoiado pelo PSDB de São Paulo. Não tem muita alternativa. É especulação [a hipótese de deixar o PSDB]. Ele nunca me disse isso.

– Mensagem de Aécio: Não posso falar por ele. Ele é que dará a mensagem.
Aécio transmite uma coisa importante, a contemporaneidade. É jovem. Isso você não fala. Você é.

– 'Yes, we care': Perguntaram-me uma vez qual seria um bom slogan para o PSDB. Não dá para falar como o Obama: "Yes, we can". Tem de ser: "Yes, we care". Nós prestamos atenção a você. Não é que farei mais hospitais. Meu hospital terá cuidado com você. É preciso insistir que o governo olhará para toda essa gente que está melhorando de vida. Isso não é palavra. Tem de ter também imagem e gesto.

– Impulso social: Lula simboliza isso. Ele vem de baixo, é um líder operário. Sem dúvida. Não estou tirando o mérito dele. A César o que é de César. Desde que eu também tenha meu cesarzinho [risos].

– Nacional-estatismo: Todo mundo reiterou que, no governo Lula, houve continuidade na política econômica. Até a crise de 2008, sim. Com a crise, a política anticíclica adotada foi correta. Aí o governo pressentiu que havia uma espécie de licença para fazer o que quisesse. E isso se agravou nos anos Dilma, com a volta da ideia de que você pode fechar mais a economia, apoiar certas empresas, promover uma política industrial apoiando certas áreas. Voltamos a uma visão nacional-estatista. A política fiscal foi abandonada, como se fosse uma persistência do que eles chamavam de neoliberalismo. […] Quando houve a crise de 2008, eles disseram: "Então vamos voltar. A crise nos dá o direito de fazer o que nós queríamos ter feito antes".

– Volta ao passado: Estamos agora na realidade do Ernesto Geisel (presidente brasileiro entre 1974 e 1979). No momento em que o mundo vai sair da crise, o Brasil está voltando nas suas concepções quanto ao desenvolvimento da economia. Isso me preocupa. Novamente, os Estados Unidos sairão na frente, sobretudo com a revolução energética que estão fazendo.

– Privatização envergonhada: Ela [Dilma] é capaz de entender o erro. Vê o número e se assusta. Mas aí, quando vai consertar, tem de fazer coisas que não são da alma dela. Então, tem uma inconsistência. Ela não fala que é privatização, nem fala que é concessão. Fala que é PPP [Parceria Público-Privada]. Ela até recuperou uma ideia da Idade Média, o lucro justo. Entendo essa reação, o capitalismo é irritante. Qualquer pessoa sente raiva disso aí. Mas essa é a lógica do sistema – tem de acumular mais, senão não cresce. O capitalismo não é justo. Quem tem de ser justo não é o mercado, é o Estado. Se você é neoliberal, deixa por conta do mercado e comete injustiças. Se você não é, usa o Estado para tentar evitar que o capitalista arrase tudo.

– Capitalismo selvagem: […] No fundo, qual a base ideológica do governo Dilma? É o desenvolvimentismo. É crescer o PIB. O meio ambiente atrapalha. A regulação atrapalha. É um pouco a volta do capitalismo selvagem. Ela parece não perceber que o crescimento do PIB não depende só do governo, mas tem ciclos. Infelizmente, tocou a ela um ciclo mau. Como tocou a mim também. Ao Lula, tocou um ciclo bom.

– Educação e tecnologia: A ideia de economia primária ou secundária é antiga. Em lugar de se preocupar com os 12% da indústria no PIB, devíamos nos preocupar com o resto. Qual o coeficiente tecnológico da indústria? Essa é a chave da questão. E isso leva à educação de novo. O governo percebeu isso. Criou o programa Ciência sem Fronteiras. Mas, entre perceber e fazer, há uma distância. Há a mania de grandiosidade. Tínhamos nos Estados Unidos, no ano passado, 8.500 bolsistas. O governo disse que vamos passar para 100 mil em quatro anos. Claro que não conseguiremos. Isso é mania de grandeza.

– Apropriação programática: Foi mudada a legislação [do petróleo] com o propósito de aumentar o controle do governo sobre tudo. Mudaram para se apropriar politicamente. O Bolsa Escola virou Bolsa Família. Dizem que o PSDB não tem programa. Mas não é isso. O programa do PSDB foi apropriado. Quem não tem programa mais é o PT, porque o programa que eles tinham, de socialismo no século 21, ética na política, acabou. É de espantar que o Congresso jamais tenha discutido o pré-sal. Quando fiz a quebra do monopólio, houve um debate imenso. Agora, tudo foi feito a frio.

– Mensalão e hegemonia: […] O governo Lula tomou, implicitamente, a decisão de não mexer com o Congresso. Ele não precisava do Congresso para praticamente nada. Não fez nenhuma mudança constitucional. Nunca entendi uma coisa: para que uma base de sustentação tão grande? Para não fazer nada? Eu precisava da base porque precisava de três quintos do Congresso para as reformas. O governo Lula só precisava de 51%. Não precisava de mensalão. Foi um erro de cálculo.
E, claro, também havia vontade de domínio, de hegemonia.

– Insegurança regulatória: […] Agora estão mudando a regra dos portos. Mudam do dia para a noite com medida provisória. Não deve ser esse o processo de mudança. O Estado tem de regular. Mas não pode mudar a regra do jogo a toda hora. Isso gera instabilidade. Não temos uma cultura de longo prazo. Tem um aperto qualquer, o governo fica nervoso, a presidente fica aflita e muda as regras.

– Lula e a metamorfose: É até curioso: o PT nasceu contra o corporativismo. Lula dizia que a verdadeira anistia do trabalhador era acabar com a CLT. Mas criou uma tremenda burocracia sustentada pelo governo. É fascinante ver como, em vez de mudar a cultura dominante, ele foi absorvido por ela. No clientelismo, no corporativismo, no jogo da política.

– Fisiologismo tucano: Eu tinha um propósito: fazer reformas. Meu objetivo era esse. Você tem de fazer escolhas. Fiz a escolha, fiquei com o PFL. Não era suficiente. Forcei o PMDB a entrar. Mas escolhi quem do PMDB eu iria nomear. No segundo mandato, quando você perde força, tem de entrar mais nas negociações com os partidos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.