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Josias de Souza

Feliciano resiste porque confusão lhe interessa

Josias de Souza

27/03/2013 18h46

Diz-se que a oportunidade só bate à porta uma vez. De olho no brocardo, Marco Feliciano (PSC-SP) faz dos seus antagonistas uma oportunidade a ser aproveitada. Há 20 dias, o deputado-pastor era um invisível membro do chamado baixo clero da Câmara. Hoje, é um personagem de projeção nacional.

Desde que foi guindado à presidência da Comissão de Direitos Humanos, em 7 de março, Feliciano degusta os protestos dos que o chamam de homofóbico e racista. Enxerga as manifestações com uma visão utilitária: muito mais ainda será muito pouco; um pouco menos já será demais.

Feliciano reage à insatisfação dos seus rivais com uma sucessão de poses. Ao acordar, defende a família brasileira no Twitter. Faz pose de defensor da moral. Antes de dormir, critica o casamento gay num dos cultos de suas igrejas. Faz pose de guardião dos bons costumes.

O que distingue o Feliciano de hoje do Feliciano de duas semanas atrás é a audiência. Cúmulo da ironia: a pretexto de combatê-lo, os adversários do deputado-pastor potencializaram-lhe a plateia. Agora, a grande pose de Feliciano não é para a os vizinhos, a igreja ou a bancada evangélica. Nada disso.

Fernanda Montenegro e Camila Amado beijam-se em ato anti-Feliciano

O deputado-pastor capricha na chapinha do cabelo e põe o seu melhor terno, a sua melhor gravata e as suas melhores pregações para gente como Caetano Veloso, Fernanda Montenegro, Wagner Moura… Na segunda-feira, os astros juntaram-se às 600 pessoas que gritaram para Feliciano em ato de repúdio no Rio: pede pra sair.

No mesmo dia, a bancada do PSC reunia-se na Câmara para informar que Feliciano fica. Na véspera, em entrevista à ex-BBB Sabrina Sato, o "perseguido" dera de ombros para os "perseguidores". Deixar a presidência e o paredão da comissão? "Só se eu morrer!", dramatizara.

Esperteza suprema: apóstolo de si mesmo, Feliciano serviu-se  das câmeras de uma arena pagã, o Pânico na TV, para posar diante da multidão de votos pentecostais como um pós-cristão lançado às feras da pós-modernidade –leões metafóricos de uma era de permissividades.

Retorne-se, por oportuno, ao primeiro parágrafo. Os adversários de Feliciano ainda não se deram conta. Mas tornaram-se uma oportunidade que o deputado-pastor aproveita. Para Feliciano, não importa que a reação seja seja política, que o protesto seja homossexual, que a manifestação seja negra. Importa apenas que o teatro continue. Aos olhos de Feliciano, a confusão tem cara de voto.

Beneficiário do descaso de grandes e médios partidos, que negligenciaram a Comissão de Direitos Humanos, o pastor deve orar diariamente pelos irmãos do PT, PMDB, PSDB, PDT, PPS, PV e um enorme etcétera. Deus, como se sabe, está em toda parte. Porém, para glória de Feliciano, Ele terceirizou ao Tinhoso o controle da Câmara.

 

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.