Avança na Câmara projeto que dá a entidades religiosas poderes para questionar leis no STF
Sem alarde, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou uma proposta de emenda constitucional que a bancada evangélica tentava emplacar havia dois anos. O texto confere a entidades religiosas poderes para questionar leis no STF. Chama-se João Campos (PSDB-GO) o autor do projeto. Pastor da Assembleia de Deus, ele preside a Frente Parlamentar Evangélica.
A Comissão de Justiça considerou que a emenda não fere a Constituição. Com isso, o texto segue para uma outra comissão, constituída especialmente para analisar o mérito da proposta. Em seguida, a matéria vai ao plenário da Câmara. Como se trata de emenda constitucional, precisa ser aprovada por maioria qualificada (2/3), em dois turnos de votação.
São duas as ações que podem ser usadas para pedir ao STF que se manifeste sobre determinada lei. Uma chama-se ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade). Outra, ADC (Ação Direta de Constitucionalidade). Ambas estão previstas na Constituição. Mas não é qualquer um que pode lançar mão desses instrumentos. Igrejas e entidades religiosas, por exemplo, não podem. Daí a emenda do pastor João.
O texto constitucional anota que podem ajuizar ADIs e ADCs: o presidente da República; as Mesas do Senado e da Câmara; as Mesas das Assembléias Legislativas dos Estados e do DF; os governadores; o procurador-geral da República; o Conselho Federal da OAB; partidos políticos; confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional.
A proposta de João Campos inclui nessa lista as "entidades religiosas de âmbito nacional". Se o texto prosperar, passam a ter o direito de protocolar ações no Supremo organizações como a Convenção Nacional Batista, o Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Mal comparando, as igrejas ganhariam um poder análogo ao atribuído a confederações de trabalhadores e entidades patronais.
Para quê? João Campos alega que certos temas interessam diretamente à turma da Bíblia. Cita três: a imunidade tributária concedida às igrejas, a liberdade de culto, e o ensino religioso facultativo nas escolas. E daí? "Se tivermos, em algum momento, alguma lei que fira um desses princípios não teríamos como questionar isso no Supremo. Com a proposta, estamos corrigindo uma grave omissão em que o constituinte incorreu ao deixar essa lacuna."
Embora o deputado não mencione, há outros temas que, se regulados em lei, levariam as entidades religiosas às portas do Supremo –temas como aborto, casamento gay e descriminalização das drogas. Os defensores da modernização dos costumes poderiam alegar que a emenda do pastor João não faz nexo num Estado laico como o brasileiro. Porém…
A julgar pelo crescimento do eleitorado pentecostal e do relevo que a temática religiosa ganhou nas últimas eleições, é improvável que a proposta enfrente uma oposição capaz de inviabilizá-la. Em decisões recentes, o STF privilegiou o bom senso. Reconheceu a união civil entre homossexuais; autorizou a realização de manifestações pró-descriminalização das drogas, as famosas marchas da maconha; e permitiu o aborto nos casos de anencefalia. O diabo é que a composição do Supremo é mutável. E os dogmas religiosos são pétreos.
O debate chega em boa hora. Justamente no momento em que o deputado-pastor Marco Feliciano resiste às manifestações e aos apelos para que renuncie à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. A propósito, João Campos e a grossa maioria dos membros da sua Frente Evangélica –73 deputados e quatro senadores— estão fechados com o irmão Feliciano.
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