Topo

Josias de Souza

Bacia das almas: Petrobras se desfaz de ativos

Josias de Souza

29/03/2013 21h15

Com o caixa baixo, a Petrobras comercializa parte de seus ativos no exterior. Espera amealhar algo como US$ 10 bilhões. Para atingir a meta, vende o patrimônio na bacia das almas, como se diz. Em notícia veiculada na sua última edição, Época traz à luz alguns detalhes da operação. Um deles chama especial atenção.

Para começar do início: em 2002, a Petrobras comprou 58% da Perez Companc.. Era a maior empresa privada de petróleo da Argentina. A estatal brasileira desembolsou US$ 1,1 bilhão e assumiu dívidas de US$ 2 bilhões. Com o tempo, a Perez mudou de nome. Passou a chamar-se Pesa. A Petrobras foi injetando dinheiro novo no negócio. Até 2009, US$ 2,1 bilhões. Hoje, é dona de 67% da empresa.

Mercê dos aportes, a Pesa cresceu. Explora refinarias, distribui petróleo e gás, tem uma rede de centenas de postos de combustíveis, controla 17% da terceira maior reserva mundial de xisto. No ano passado, comprou outra petroleira argentina, a Entre Lomos. A despeito da pujança, as ações da Pesa foram roídas pela crise econômica, que apertou na Argentina há dois anos. Desde 2011, os papéis da empresa perderam 60% do seu valor.

Pois bem. Há um mês, a Petrobras celebrou um acordo confidencial no qual se compromete a vender 50% das suas ações na Pesa à empresa Indalo. Receberá US$ 900 milhões. Com mais US$ 238 milhões, a Indalo arrematará todas as refinarias, distribuidoras e petroquímicas petroleira do Brasil opera na Argentina.

Chama-se Cristóbal López o dono do grupo Indalo. Conhecido como 'czar do jogo', é amigo e apoiador da companheira Cristina Kirchner. Em 5 de novembro do ano passado, ele enviara uma carta à presidente da Petrobras, Graça Foster. No texto, revela-se bem informado. Diz ter ciência de que a Pesa estava sendo negociada com três de seus concorrentes. Como soube? Só Deus sabe!

Cristóbal, cujo grupo inclui uma empresa chamada Oíl Combustibles S.A., manifestou o interesse de comprar um pedaço da Pesa. Falava em 25%. Em resposta escrita, datada de 21 de novembro de 2012, a Petrobras refugou a oferta. Signatário da missiva, Ubiratan Clair, o executivo que toca o "plano de desinvestimentos" da estatal, anotou:

"Nos sentimos honrados pelo interesse manifestado na compra de 25%. No entanto, devemos indicar que as ações da Pesa não fazem parte de nossa carteira de desinvestimentos, razão pela qual não podemos iniciar qualquer negociação relativa às mesmas."

Menos de um mês depois, em 18 de dezembro, o mesmo Ubiratan firmou com com Cristóbal, o amigão de Cristina, um "convênio de confidencialidade" para vender um pedaço da Pesa. Quer dizer: as ações da empresa estavam, sim, sobre o balcão. E foram transacionadas justamente com o comprador cuja oferta havia sido esnobada.

O que pode ter acontecido para que a Petrobras mudasse de opinião no curto intervalo de um mês? Deus sabe. A cúpula da Petrobras também sabe. Mas, procurada, preferiu não comentar. Técnicos da estatal avaliam que o caixa baixo não justifica a venda de parte da Pesa neste momento. Sustentam que o mais adequado seria aguardar pela revalorização dos ativos da empresa. Estimam que as refinarias, distribuidoras e unidades de petroquímica valem ao menos US$ 400 milhões. Mantido o acordo escrito, o argentino Cristóbal arrematará tudo por US$ 238 milhões.

– Ilustração via Orlandeli.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.