STF X Congresso: o mal lavado criticando o sujo
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Simule otimismo por alguns segundos. Imagine que a política brasileira pode melhorar, deve melhorar, tem que melhorar. Finja que isso já está acontecendo. Faça cara de quem crê no futuro com todas as suas forças. Pronto! Agora pense nos partidos políticos do Brasil e no Congresso Nacional. Desanimou, né? Impossível manter o fingimento quando se recorda que a democracia brasileira convive com 30 agremiações partidárias e um Legislativo não se dá ao respeito.
Neste início de semana, quando congressistas reagiram com indignação ao penúltimo surto verbal do Joaquim Barbosa não se deram conta de que acabaram confundindo a plateia. Ficou difícil saber se estavam chateados ou apenas sendo cínicos em público. "Nós temos partidos de mentirinha", afirmou o presidente do STF numa palestra para universitários, em Brasília.
Barbosa trocou seu raciocínio em miúdos: "Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. Querem o poder pelo poder." Vamos e venhamos: o ministro choveu no molhado.
Barbosa também declarou que o Legislativo é submisso ao Executivo. A maioria das leis nasce no Planalto, disse ele. As leis de iniciativa da Câmara ou do Senado "não devem chegar a 15%". O ministro religou a língua: "O problema crucial brasileiro, a debilidade mais grave do Congresso brasileiro é que ele é inteiramente dominado pelo Poder Executivo. Há um domínio institucional do Executivo sobre o Congresso Nacional." De novo: Barbosa apenas esbarrou no óbvio.
No exercício da presidência da Câmara, coube ao deputado André Vargas (PT-PR) pronunciar a reação mais vigorosa. Tomado por um tipo de sentimento que os franceses chamaram de esprit de corps e que o Garotinho rebatizou de esprit de porcs, o companheiro Vargas declarou que o ministro "não está à altura do cargo", adota um "comportamento irresponsável" e "tem pouco apreço pela democracia." Absteve-se de lembrar que foi Lula, seu ídolo, quem alçou o "irresponsável" à Corte Suprema.
O novo embate entre Judiciário e Legislativo tem grande interesse literário, já que está crivado de ironias. Barbosa chefia um Poder que, no ano passado, transformou os deputados federais em códigos de barras. Fez isso ao consagrar o entendimento segundo o qual os filiados do PSD de Gilberto Kassab, ao desertar de suas legendas de origem, levaram junto com sua infidelidade os votos obtidos na última eleição. Os mesmos votos que servem de base para o cálculo da verba pública do fundo partidário e do tempo de propaganda no rádio e na tevê.
Com sua decisão, o Supremo aniquilou a noção de fidelidade partidária. Voto vencido, Barbosa declarou na época, durante a sessão de julgamento: "Estamos pisando em espinho. Não sabemos a consequência que isso trará ao quadro político brasileiro, e tenho certeza de que não será boa." Agora, ao criticar os "partidos de mentirinha" sem recordar que o STF potencializou a lorota, o ministro soa como o mal asseado que fala do sujo.
Mas reanime-se. Volte a simular otimismo. Depois de toda a confusão, Barbosa mandou sua assessoria soltar uma nota. Segundo o texto, ao esculhambar os partidos e o Congresso, o ministro não teve "a intenção de criticar ou emitir juízo de valor a respeito da atuação do Legislativo e de seus atuais integrantes." Barbosa estava apenas fazendo um "exercício intelectual" num evento do qual participou "na condição de acadêmico e professor." Ah, bom!
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