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Josias de Souza

Sob Obama, fronteira do ‘excepcional' é elástica

Josias de Souza

07/06/2013 20h30

A única justificativa racional –e ainda assim discutível— para o Estado violar o direito dos cidadãos à privacidade seria o seu valor preventivo. Ataca-se a intimidade do indivíduo a pretexto de protegê-lo de ataques terroristas. É mais ou menos isso o que ocorre nos EUA. O 11 de Setembro emprestou uma aura de inevitabilidade às soluções extremas. O noticiário dos últimos dias revelou que as fronteiras do inevitável talvez tenham sido levadas longe demais.

A Agência de Segurança Nacional dos EUA apalpa os registros das ligações de milhões de usuários de telefone. Sabe quem ligou para quem, a que horas e por quanto tempo. As autoridades também monitoram os contatos e o intercâmbio de dados (e-mails, fotos, etc.) feito na internet por meio de serviços do Google, Apple e Facebook. Pior: a espionage chegou também aos cartões de crédito.

As revelações causaram revolta. Barack Obama teve de dizer meia dúzia de palavras: "Não estamos ouvindo as conversas telefônicas de vocês. Não é sobre isso que trata esse programa [de vigilância]. O que os agentes da Agência Nacional de Segurança fazem é identificar o número de telefone, a origem e o destino das ligações, sem identificar nomes de usuários ou o conteúdo das conversas." Hã, hã…

A certa altura, Obama foi ao ponto: "Não se pode ter 100% de segurança e 100% de privacidade" ao mesmo tempo. Para ele, "invasões modestas de privacidade" são defensáveis. Por quê? "Elas fazem diferença na nossa capacidade de antecipar e prevenir possíveis atividades terroristas." Meia verdade. Com toda bisbilhotagem, dois garotos atravessaram suas bombas na maratona de Boston.

Experimenta-se um paradoxo hediondo: a maneira escolhida pelo Estado para combater o terror foi, por assim dizer, mimetizar os terroristas no vale-tudo. A Casa Branca diz que a Justiça autoriza e o Congresso supervisiona. Será? A estratégia vem da era Bush. Mas Obama, que prometia transparência, incorporou os métodos sombrios.

O histórico recente mostra que o governo americano merece crédito apenas até certo ponto. O ponto de interrogação. Sob Obama, o IRS, sigla em inglês da poderosa Receita Federal americana, fugiu do manual para apertar os conservadores do Tea Party, inimigos mais raivosos do partido do presidente.

Noutro lance, o Departamento de Justiça dos EUA monitorou telefonemas de jornalistas Associated Press e da Fox News. Quer dizer: levando-se em conta que nada do que é moralmente vedado ao indivíduo deve ser permitido ao Estado, pode-se dizer que Washington flerta com o inadmissível.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.