Topo

Josias de Souza

Dilma virou uma espécie de porta-voz das ruas

Josias de Souza

25/06/2013 07h53

.

Dilma Rousseff já não se limita a ouvir a voz das ruas. Ao discursar na abertura da reunião com governadores e prefeitos, a presidente soou praticamente como porta-voz dos insatisfeitos. O povo deseja mudanças, ela concluiu, em timbre acaciano.

Nos últimos anos, operou-se "o maior processo de mudança da nossa história." Mas o povo, nervoso, está "dizendo que deseja que as mudanças continuem, que elas se ampliem, que elas ocorram ainda mais rápido."

A reunião do Planalto foi fechada. Só o discurso de Dilma, feito na abertura, foi televisionado. Ela fazia questão de mostrar que está 100% sintonizada com o asfalto. "As ruas estão nos dizendo que o país quer serviços públicos de qualidade, quer mecanismos mais eficientes de combate à corrupção, quer uma representação política permeável à sociedade…"

O Brasil de Dilma não vai mal. "Nós combinamos estabilidade econômica e amplas liberdades democráticas", ela disse. Entregamos "crescimento econômico e geração massiva de empregos".

A certa altura, Dilma pareceu recitar Lula. O Brasil "deixou de ser governado apenas para um terço da população. Passou a ser governado para toda a população." Mas, que diabo, o povo tem o direito de exigir mais.

Dilma convidou os presentes a se unirem para "cumprir essa nova e decisiva dimensão da vontade popular." Todos sabem onde estão os problemas, afirmou. Todos conhecem as soluções. Porém, vamos e venhamos, ninguém está livre de se dar conta, de vez em quando, que também está sujeito à condição humana.

"Eu mesma tenho enfrentado, desde que assumi a Presidência, inúmeras barreiras", disse Dilma. Mas os problemas acabaram. "A energia que vem das ruas é maior do que qualquer obstáculo. Junto com a população podemos resolver grandes problemas. Não há por que ficarmos inertes, acomodados ou divididos."

Dilma chamou os presentes de "companheiros e companheiras". Levou à mesa um conjunto de "propostas concretas". Desfiou cinco "pactos". O primeiro é "pela responsabilidade fiscal". Hã?!?

Vamos "garantir a estabilidade da economia e o controle da inflação." Heimm?!? "Este é um pacto perene de todos nós." A revolta popular, como se viu, fez bem a Dilma. Melhorou seu figurino. Há dias que ela não aparece de vermelho. Libertou-a das culpas. Ela agora vive num país imaginário, estável e sem carestia.

O segundo pacto é a reforma política. Coisa "ampla e profunda". Após dez anos de inércia, Dilma encontrou uma saída. Como mágico que retira cartolas de dentro do coelho, ela sugere a realização de um plebiscito para que o povo convoque uma Constituinte. Agora vai!

É preciso também "dar prioridade ao combate à corrupção de forma ainda mais contundente do que já vem sendo feito em todas as esferas." Hã?!? "Uma iniciativa fundamental é uma nova legislação que classifique a corrupção dolosa como equivalente a crime hediondo, com penas muito mais severas." Mais um pouco e a ex-faxineira abriria uma faixa pedindo a prisão imediata dos mensaleiros.

O terceiro pacto diz respeito à saúde. "Quero propor aos senhores e às senhoras acelerar os investimentos já contratados em hospitais, UPAS e unidades básicas de saúde." O dinheiro? Decerto será provido pela "energia que vem das ruas". Coisa "maior do que qualquer obstáculo."

Vamos "incentivar a ida de médicos às cidades e regiões que mais precisam." Hummm!!! "Quando não houver disponibilidade de médicos brasileiros, cotrataremos profissionais estrangeiros para trabalhar com exclusividade no SUS."

"Sabemos que não vamos melhorar a saúde do Brasil apenas com a contratação de médicos." Sim, e daí? "Vamos tomar, juntamente com os senhores, uma série de medidas para melhorar as condições físicas da rede de atendimento". Tomaremos medidas também para melhorar "as condições de trabalho" dos médicos. Ah, bom!

O quarto pacto refere-se ao "salto de qualidade nos transportes públicos das grandes cidades." Salto?!? Vamos "mudar a matriz desses transportes, fazer mais metrôs, VLTs e corredores de ônibus." Sei, sei… Vamos "avançar mais rápido em direção ao transporte público de qualidade e acessível." Hã, hã…

"O governo federal já desonerou impostos. O que permitiu a redução das tarifas de ônibus em 7,23% e 13,75% na tarifa do metrô e dos trens." Desonerou-se também "o IPI para a compra de ônibus." Agora, "estamos dispostos a ampliar a desoneração do PIS/Cofins sobre o diesel de ônibus e a energia elétrica consumida por metrôs e trens". Dilma insinuou que, para levar os passageiros ao paraíso, basta que Estados e municípios também retirem das tarifas os seus impostos.

Generosa a mais não poder, Dilma abriu as arcas: "Decidi destinar mais R$ 50 bilhões para investimentos em obras de mobilidade urbana." Nos últimos oito anos, Brasília só conseguiu tirar do papel 15% das verbas destinadas à mobilidade. Mesmo nos empreendimentos da Copa, a execução não chegou aos 16%. Mas a ineficiência agora dispõe de mais R$ 50 bilhões para não aplicar.

O quinto pacto é o da educação. "Nenhum país se desenvolve sem alfabetização na hora certa, creches, educação em tempo integral, […] universidades de excelência." Não se faz uma nação sem "bons salários para os educadores." Que beleza!

Falta dinheiro, "mas meu governo tem lutado junto ao Congresso para que 100% dos royalties do petróleo e 50% dos recursos do pré-sal […] sejam investidos na educação".  Se os congressistas ajudarem e a Petrobras se aprumar, essa dinheirama começa a jorrar lá pelo ano de 2020.  O que não tira o otimismo de Dilma. "Nos últimos tempos, dei grande ênfase a essa questão da educação. Sabemos que isso transforma um país em nação desenvolvida."

É pena que a juventude, ocupada em gritar nas ruas, não tenha ouvido sua presidente. Quando tomar conhecimento dos cinco pactos e do país fabuloso que eles prenunciam, a raiva vai voltar para dentro do Facebook e jamais ousará organizar novas manifestações. A rapaziada agora tem uma porta-voz no centro do poder.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.