Topo

Josias de Souza

Para se vingar de Gurgel, senadores rejeitam indicação de procurador para conselho do MP

Josias de Souza

04/07/2013 03h19

No mesmo dia em que a Comissão de Justiça do Senado aprovou projeto que acaba com o voto secreto dos congressistas, 17 senadores esconderam-se à sombra de uma votação sigilosa para cometer uma insensatez. Rejeitaram a indicação do procurador Vladimir Aras para uma cadeira do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Fizeram isso imaginando que se vingavam do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Em verdade, privaram o conselho do convívio com um respeitado especialista no combate à lavagem de dinheiro.

O baiano Vladimir Aras havia sido indicado para o CNMP pela unanimidade dos seus colegas de Ministério Público Federal. Como chefe do órgão, coube a Roberto Gurgel encaminhar o nome ao Senado. O senador Fernando Collor, que traz a Procuradoria atravessada na traquéia desde a época do impeachment, trava com o procurador-geral uma guerra particular. E enxergou na rejeição ao nome de Aras uma oportunidade de alvejar Gurgel por tabela.

Collor percorreu as bancadas cabalando votos contra a indicação de Aras. Para ser confirmado, o procurador precisava de 41 votos dos 81 votos disponíveis no Senado. Obteve 38. Agachados atrás do voto secreto, 17 senadores votaram contra. Um se absteve. Presidente da sessão, Renan Calheiros proclamou a rejeição.

Súbito, chegaram ao plenário quatro retardatários: Aécio Neves, Aloysio Nunes, Randolfe Rodrigues e Humberto Costa. Abriram seus votos, todos favoráveis à confirmação de Aras. O placar iria a 42, um voto acima do mínimo necessário. Mas Renan, denunciado por Gurgel no STF em fevereiro, recusou-se a computar os votos dos colegas impontuais.

Egresso do Ministério Público Federal, o senador Pedro Taques apelou a Renan para que reconsiderasse a decisão. Nada. Baianos como Aras, os senadores Walter Pinheiro e Lídice da Mata engrossaram o coro. Renan manteve-se impassível. Alegou que o regimento não autoriza a contagem de votos depois da proclamação do resultado. Líder do PT, Wellington Dias apresentou um recurso contra a deliberação de Renan. O caso será apreciado pela Comissão de Justiça do Senado. Mas as chances de reversão do desatino são pequenas.

Além do nome de Aras, os senadores votaram outras seis indicações para o mesmo CNMP e para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Todas elas foram aprovadas com folga. Ficou evidenciada a motivação subalterna da rejeição ao nome do procurador baiano, que havia sido aprovado na Comissão de Justiça por 16 votos a dois.

Desde que as ruas roncaram, Renan se esforça para passar à plateia a ideia de que o Senado acordou. Ele organizou uma "pauta positiva" e puxa os colegas para uma rotina de trabalho que inclui hora-extra noturna e não liga nem para jogo de seleção brasileira. Tomados pelos discursos, os senadores vendem a ideia de que, para atender à vontade do meio-fio, são capazes de engolir um King-Kong por dia. O diabo é que acabam sempre deixando o rabo de fora.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.