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Josias de Souza

Temer: ‘Não quero ser o coveiro do plebiscito’

Josias de Souza

05/07/2013 05h52

Temer: 'No instante em que os líderes concordam com a tese, não quero ser o coveiro do plebiscito'

"Não quero ser o coveiro do plebiscito", disse Michel Temer na noite passada, em conversa telefônica com o blog. Deu-se pouco antes das 23h. Durante o diálogo, o vice-presidente esforçou-se para passar a limpo um dia com aparência de rascunho. No centro do borrão, a proposta do governo de realizar um plebiscito sobre reforma política. Vai abaixo, um resumo do que sucedeu, segundo a versão de Temer:

1. A reunião: Temer recebeu no Palácio do Jaburu, sua residência oficial, os líderes de partidos governistas na Câmara e três ministros petistas: José Eduardo Cardozo (Justiça), Aloizio Mercadante (Educação) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais). Falaram sobre o plebiscito. Ouça-se Temer: "Houve uma uniformidade em relação à tese do plebiscito. A dúvida surgiu quanto à data [a maioria dos líderes avaliou que já não há tempo para realizar o plebiscito neste ano]. Ficou acertado que ouviríamos os líderes do Senado, na semana que vem. Depois dessa audiência é que se cogitaria de providenciar um decreto legislativo para convocar o plebiscito. Assunto para o Congresso, que tem a prerrogativa de determinar a data e os temas a serem examinados. Essa foi a conclusão final."

2. A entrevista: "Quando saímos, havia lá a imprensa. O José Eduardo Cardozo me disse: 'vamos lá, já que você está coordenando esse processo, você fala. Fomos juntos. Demos as explicações. Num dado momento, houve uma pergunta: 'E se o Congresso aprovar uma reforma política, como fica o plebiscito?'. Eu disse: se o Congresso fizer a reforma política, não se vai mais cogitar do plebiscito. Deixei de mencionar que o Congresso poderia, eventualmente, decidir por um referendo." Abra-se aqui um parêntese para reproduzir outra declaração feita por Temer nessa entrevista ocorrida na frente do Jaburu: "Não há mais condições de fazer nenhuma consulta antes de outubro. Não havendo condições temporais para fazer a consulta, qualquer reforma que venha se aplicará nas próximas eleições e não para essa [2014]."

3. A internet: Concedida pouco antes do meio-dia, a entrevista de Temer ganhou os sites noticiosos. "Por volta de 14h, fui examinar a mídia eletrônica", relatou o vice-presidente. "Fiquei impressionado. A linha geral era essa: 'Temer enterra o plebiscito', 'Temer acaba com o plebiscito'. Parecia que eu estava enterrando o plebiscito. E isso não correspondia à realidade. Foi por isso que eu lancei uma nota."

4. A nota: Os "esclarecimentos" de Temer foram divulgados no final da tarde. Na nota, o vice escreveu que suas declarações anteriores refletiram a opinião dos líderes governistas com os quais acabara de se reunir. Reafirmou "o compromisso deste governo, anunciado pela presidenta Dilma Rousseff em reunião com todos os governadores e prefeitos de capital, com uma reforma política que amplie a representatividade das instituições através de consulta popular…" E acrescentou: "…O ideal é o plebiscito em data que altere o sistema político eleitoral já nas eleições de 2014."

5. A irritação de Dilma: Antes que Temer soltasse sua nota, a presidente da República manifestara-se sobre o tema em Salvador, onde se encontrava. Dilma dissera coisas assim: "Não sou daqueles que acreditam que o povo não é capaz de entender [o plebiscito] porque as perguntas são complicadas." Ou assim: "Como o Executivo não pode fazer essa consulta, […] nós encaminhamos uma sugestão pedindo ao Congresso Nacional que convocasse esse plebiscito."

Conforme já noticiado aqui, Dilma recebera mal as delcarações de Temer. Na conversa com o blog, o vice-presidente assegurou que a contrariedade de Dilma não lhe chegou aos ouvidos. "Ela estava na Bahia quando decidi expedir a nota. Não falei com ela o dia todo." Afora os esclarecimentos por escrito de Temer, houve o reposicionamento de Cardozo. O ministro da Justiça voltou aos refletores para declarar que "o ideal" é que o plebiscito ocorra logo.

6. Pai do plebiscito: Temer afirmou que não desconhece as posições de Dilma. Conversaram muito a respeito. Afinaram-se. "Primeiro, ela lançou a ideia da Constituinte. Eu só fui chamado a opinar depois. Disse a ela: 'presidente, não é possível uma Constituinte nessas condições. Se for por esse caminho, não participo. Ela imediatamente refluiu. Perguntou qual seria a solução. Eu disse que o caminho seria o plebiscito ou o referendo, que são as duas modalidades de consulta popular. Evoluiu-se para o plebiscito. De modo que, como pai da ideia, eu não quero ser o coveiro do plebiscito."

7. A separação dos poderes: Embora esclareça que não conversou com Dilma nesta quinta (5), Temer afirma que ela está certa quando atribui ao Congresso os próximos passos. Conversaram a respeito do tema há dois dias. "Eu dizia para a presidente: nós cumprimos a nossa tarefa, que era mandar o ofício fazendo a sugestão ao Congresso. Agora, é tudo por conta do Congresso. É assim que tem que ser."

Por que decidiu fazer a reunião no Jaburu? "Os líderes, que têm ligação comigo, disseram que eu precisava ajudar, até para manter unida a base aliada. Foi aí que surgiu a ideia de fazer a conversa aqui no Jaburu. E a conversa foi boa, na medida em que os líderes concordaram com o plebiscito. Você percebe que, de alguma maneira, há uma certa consonância com o Executivo."

8. As dúvidas: "Há, naturalmente, questões relacionadas à formatação e às datas –se o plebiscito virá agora ou se virá depois. Cabe ao Congresso decidir. Mas, a partir do instante em que os líderes concordam com a tese, eu não quero ser o coveiro do plebiscito. Não poderia enterrar algo que eu mesmo propus."

9. A matemática: Depois do vaivém, Temer prefere se abster de fazer previsões. Porém, nem ele nem Dilma ignoram que o plebiscito, se vier a ocorrer, não acontecerá neste ano. Portanto, eventuais mudanças nas regras político-eleitorais não poderão vigorar nas eleições de 2014. Para que isso ocorresse, seria necessário que tudo estivesse resolvido até o início de outubro. A matemática informa que é impossível.

Suponha que os congressistas levem um mês para definir a data da consulta popular e o teor do questionário a ser levado à população. Ainda que o Congresso cancelasse o recesso do meio do ano, o decreto legislativo só seria aprovado na primeira quinzena de agosto. A bola seria repassada, então, ao TSE.

O tribunal já informou que leva 70 dias para organizar o plebiscito. Quer dizer: são inexistentes as chances de o Congresso entregar até 5 de outubro a reforma política que não foi capaz de produzir nas últimas duas décadas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.