Topo

Josias de Souza

Dilma para PT: ‘Plantamos, agora vamos colher’

Josias de Souza

09/08/2013 06h31

Dilma Rousseff recebeu no Planalto a bancada de senadores do PT. Deu-se nesta quinta (9). A conversa foi franca e demorada. Durou cerca de três horas. A alturas tantas, Jorge Viana, petista do Acre, foi ao ponto: "Presidente, o Lula elegeu. Mas ele não consegue lhe reeleger. O que reelege é o trabalho feito." Dilma balançou a cabeça, sinalizando concordância. E informou que terá o que expor na vitrine. Insinuou que surpreenderá os aliados e silenciará os adversários.

A despeito de ter sido rebaixada nas pesquisas, de estar sitiada no Congresso e de ser olhada de esguelha pelo empresariado, Dilma tratou a tempestade que trovejou nas ruas em junho como um fenômeno superado. Esboçou para os visitantes um cenário de bonança. Fez isso num instante em que o tempo fecha para o tucanato do rival Aécio Neves, às voltas com a ameaça de descarrilamento do PSDB de São Paulo.

O escândalo Siemens-Alstom não foi debatido na sala de reuniões do Planalto. Mas inspirou um chiste. Um dos senadores recordou que, em abril, quando os alimentos empurravam a inflação para o alto, Ana Maria Braga exibiu-se no programa 'Mais Você' com um colar de tomates. "Estou usando ouro", ela ironizara, diante das câmeras da TV Globo.

E o interlocutor de Dilma: "Agora, a Ana Maria deveria pendurar no pescoço um colarzinho adornado com miniaturas de vagões do metrô de São Paulo." A poucos dias do início do julgamento dos recursos dos mensaleiros condenados no STF, a presidente e seus correligionários riram gostosamente do infortúnio tucano. Presente, o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento), que se equipa para desafiar o grupo de Aécio na briga pelo governo de Minas, também mostrou os dentes.

Como que evocando os tempos bíblicos de Eclesiastes (capítulo 3, versículos 1 a 8), Dilma afirmou aos visitantes que, até aqui, seu governo viveu o tempo do plantio. Disse que começa agora um novo ciclo: o tempo de colher os resultados. Embalada por um sentimento que Jorge Viana chamou de "otimismo contagiante", a presidente acenou com uma colheita farta: inflação dentro da meta, PIB bem acima dos 2% estimados pelo pedaço mais cético do mercado, investimentos bombando…

Tomada pelo entusiasmo, Dilma parecia ter comprado lentes de contato cor de rosa. O leilão do campo petrolífero de Libra será um sucesso, ela vaticinou. As concessões irão deslanchar. Noves fora a retomada dos aportes privados em aeroportos e portos, assegurou que sairão do papel, antes do final do ano, 7 mil quilômetros de rodovias e 11 mil quilômetros de ferrovias.

O programa de privatização do asfalto e das linhas férreas foi anunciado por Dilma há um ano. A solenidade teve pompa. Mas a iniciativa tropeçou nas circunstâncias. Numa fase em que sua popularidade ainda roçava a Lua, a presidente imaginou que poderia impor ao empresariado taxas de retorno miúdas. Como dinheiro não aceita desaforo, os investidores enxergaram na visão que Dilma tinha da realidade um quê de ilusão de ótica. Deram de ombros, forçando a presidente a recuar.

Num esforço coordenado pelo ministro Guido Mantega (Fazenda), o governo refez os contratos, tonificando a perspectiva de lucro. Vem daí o otimismo de Dilma. Ela acredita que, agora, a coisa vai deslanchar. Supondo-se que esteja certa, os investimentos chegarão com um ano de atraso e só começarão a aparecer nas estatísticas em meados de 2014. Mas Dilma imagina que a atmosfera benfazeja reverterá o desânimo que corroi os indicadores de 2013. Sem mencionar percentuais, ela disse aos petistas que espera para este ano um PIB de fazer inveja a Barack Obama.

Embora dividissem a mesa com a ministra Ideli Salvatti, suposta articuladora política do Planalto, vários senadores despejaram sobre a mesa observações críticas à forma como o governo lida com o Legislativo. Alguns, como o ex-líder Walter Pinheiro, citaram Lula com uma ponta de saudade. Outros, como o líder Wellington Dias e o colega Jorge Viana, recordaram que a nova sistemática de votação dos vetos presidenciais abre no Congresso uma nova usina de problemas. Antes, os vetos de Dilma e dos seus antecessores desciam à gaveta. Agora, terão de ser apreciados em 30 dias.

Dilma respondeu às ponderações agarrando-se novamente ao livro de Eclesiastes. O governo já experimentou o tempo da gestão, disse ela. Agora, viverá o tempo da política. Além de incluir reuniões com aliados, Dilma disse que sua agenda está sendo remodelada de modo a contemplar as viagens aos Estados. Há muito por inaugurar, entregar e exibir, jactou-se a anfitriã (6 mil creches, mais de 2 milhões de chaves do Minha Casa, Minha Vida, isso e aquilo).

Dilma encantou os petistas pelo conteúdo e também pelo método. Os senadores tinham se preparado para um diálogo do tipo em que Dilma entraria com a boca e eles forneceriam os ouvidos. Em reunião realizada na véspera, listaram os problemas e escalaram o líder Wellington Dias para falar em nome da bancada. Imaginaram que a paciência de Dilma não duraria mais do que meia hora. Foram surpreendidos. Encontraram no Planalto uma Dilma inusual.

Afável a mais não poder, a presidente fez uma introdução de cerca de três minutos. "Faço questão de ouvir todo mundo", avisou. Definitivamente, o ronco do meio-fio despertou Dilma para a lógica de Eclesiastes. A senadora Ângela Portela, de Roraima, convidou a presidente para o aniversário de sete anos da Lei Maria da Penha, a ser festejado no Senado, na semana que vem. Dilma disse que irá. Há tempo de rasgar e tempo de remendar.

Wellington Dias sugeriu a realização de pelo menos uma reunião por semestre. "Vocês vão se surpreender com a periodicidade dos nossos encontros", reagiu a presidente. Há 
tempo de calar e tempo de falar. Para reduzir o risco de ver os seus vetos derrubados no Congresso, Dilma prometeu reduzir drasticamente o número de medidas provisórias. Há tempo de guerra e tempo de paz.

Terminada a conversa, Jorge Viana, Wellington Dias e Humberto Costa retornaram para o Senado a pé. Viana dissera a Dilma que, por vezes, o prédio do Planalto lhe parecia mais distante do que o seu longínquo Acre. Abordado por um repórter na calçada, brincou: "A distância se encurtou de tal maneira que decidimos -eu, o Wellington e o Humberto- voltar para os nossos gabinetes a pé."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.