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Josias de Souza

Seis interrogações que Dilma precisa responder

Josias de Souza

27/08/2013 06h34

O principal problema da crise diplomática provocada pela fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil é a falta de nexo. Há interrogações demais no noticiário. Há também muitas meias verdades. E o perigo da meia verdade, como se sabe, é o governo dizer exatamente a metade que é mentira. Para evitar fazer papel de bobo, você precisa cobrar meia dúzia de respostas:

1. Por que Dilma Rousseff não exigiu para Roger Pinto o que Evo Morales aceitou para Edward Snowden?

Reunidos em 12 de julho na cidade de Montevidéu, os presidentes dos países-membros do Mercosul assinaram uma valente declaração conjunta. No texto, solidarizaram-se com os países que haviam oferecido asilo político a Edward Snowden –entre eles Venezuela, Bolívia e Equador.

Subscrito por todos, inclusive por Dilma Rousseff e Evo Morales, o documento defende "o direito de todo Estado soberano de conceder asilo a qualquer cidadão conforme as normas de direito internacional." Mais: "É fundamental assegurar que seja garantido o direito dos asilados de transitar com segurança até o país que tenha concedido o asilo."

No caso do senador boliviano, Dilma exerceu "o direito soberano" do Brasil de conceder-lhe asilo político. E Evo provou que asilo no governo dos outros é refresco. Negou ao desafeto Roger Pinto o salvo-conduto que lhe permitiria "transitar com segurança" até a fronteira com o Brasil.

Nessa hora, Dilma deveria ter puxado Evo para um canto. Perguntaria: "Meu querido, por que não aplicarmos ao caso do senador Roger, seu inimigo, a mesma fórmula que aprovamos para o Snowden, inimigo do Barack Obama?" Ao silenciar, a presidenta fez do seu governo uma batalha no escuro entre soldados desorientados e comandantes bêbados.

2. Por que o Itamaraty ignorou avaliação médica que apontava deterioração do Estado de saúde do senador boliviano?

No último dia 19 de agosto, uma segunda-feira, o diplomata Eduardo Saboia, embaixador interino do Brasil na Bolívia, enviou uma mensagem da embaixada em La Paz para o Itamaraty. No texto, informava sobre a deterioração do estado geral de Roger Pinto Molina. O senador boliviano aparentava desânimo, comia pouco e falava em suicídio.

Saboia pediu orientação aos seus superiores. Deveria chamar um médico para examinar o "hóspede" do governo brasileiro na própria embaixada? Levá-lo a um hospital na Bolívia, com o risco de vê-lo preso? Enviá-lo para tratar-se no Brasil não seria uma opção? O Itamaraty autorizou seu homem em La Paz a providenciar atendimento ao senador nas dependências da embaixada.

Na quinta-feira (22), Saboia informou a Brasília os resultados do exame. Entre outros problemas, Roger Pinto apresentava: baixa resistência imunológica, sinais de depressão, pressão alta, alteração nos batimentos cardíacos e inapetência. Teria de submeter-se a uma bateria de exames e a um bom tratamento. O Itamaraty emudeceu.

No dia seguinte, sexta-feira (23), Saboia apertou o botão de "seja o que Deus quiser" e deflagrou a operação de fuga que levaria o líder da oposição a Evo Morales até Corumbá (MS) e, dali, para Brasília. O diplomata informara ao Itamaraty que, num quadro extremo, não descartava a hipótese de tomar medidas de "contingência". Para bom entendedor, suas meias palavras bastavam. Mas os …becis …ão …enderam!

3. Os fuzileiros navais que escoltaram o senador boliviano até o Brasil fizeram isso com autorização de quem?

No Estado brasileiro, só uma corporação devota mais respeito à hierarquia do que os diplomatas: os militares. Nos 1.600 km que separam La Paz de Corumbá (MS), o fugitivo Roger Pinto e seu acompanhante Eduardo Saboia foram escoltados por dois fuzileiros navais brasileiros.

Ou a dupla de soldados rasgou o manual ou o chanceler Antonio Patriota deveria ter sido mandado ao olho da rua com acompanhantes. Eis as sub-interrogações que boiam na atmosfera: o comando da Marinha não foi avisado? O ministro Celso Amorim (Defesa), ele próprio um diplomata de carreira, foi mantido no escuro?

4. Quem acionou a Polícia Federal?

Após cruzar a fronteira brasileira, Roger Pinto e o comboio da fuga instalaram-se num hotel em Corumbá (MS). Passaram cerca de oito horas na cidade antes que o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) pousasse no aeroporto local um jato que tomara emprestado para resgatar o colega boliviano. Em entrevista ao blog, Ferraço contou:

"Fui abordado por um agente da Polícia Federal. Eu me identifiquei, dei meus documentos. O cara ligou para o superior dele. Dali a mais ou menos uma hora, chegou o agente com o senador boliviano. […] Umas sete pessoas davam segurança a ele. Cinco agentes da Polícia Federal, bem armados, e os dois fuzilileiros navais que o haviam acompanhado desde La Paz."

Quem acinonou a Polícia Federal? "Eu não tenho esse detalhe", disse Ferraço. "Sei que o Saboia estava tentando fazer contato com o ministro Celso Amorim [Defesa], com o José Eduardo Cardozo [Justiça]. Não sei se conseguiu." Se Saboia conseguiu, o petista Cardozo sabia da encrenca. Se não conseguiu, alguém sapateou em cima da 'autoridade' do titular da Justiça.

5. Por que Patriota apanha sozinho na Esplanada?

Ao "punir" Antonio Patriota transferindo-o para a representação brasileira na ONU, em Nova York, Dilma lavou o bebê e jogou fora a água do banho. Se não fizer nada com Celso Amorim, superior dos fuzileiros que escoltaram o fugitivo, jogará fora o bebê junto com a água do banho. Se além de Amorim a presidente poupar o petista José Eduardo Cardozo, roçará o inusitado: com bebês demais à sua volta, Dilma se auto-arremessará bem longe. Sem água e sem banho.

6. Por que a polícia da Bolívia não prendeu o senador fugitivo em cinco postos de fiscalização?

No trajeto entre La Paz e Corumbá, o senador Roger Pinto e seus acompanhantes tiveram de passar por pelo menos cinco postos policiais. Parados e observados, não foram importunados. Numa inspeção, um policial chegou a lançar fachos de lanterna no interior do carro. E nada. Cruzaram a froteira sob céu claro. Nenhum entrevero.

Líder da oposição a Evo Morales, Roger Pinto é personagem manjado em seu país. Ora, se a polícia de Evo Morales não algemou sua presença de espírito, não pode agora reclamar da sua ausência de corpo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.