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Josias de Souza

Henrique Alves: ‘Com voto secreto, não coloco mais em votação nenhum pedido de cassação’

Josias de Souza

29/08/2013 05h00

Do posto de presidente, Henrique vê cena inédita em seus 42 anos de Câmara: presidiário na tribuna

Frustrado com a decisão do plenário de preservar o mandato de Natan Donadon, deputado condenado e preso por formação de quadrilha, corrupção e peculato, o presidente da Câmara tomou uma decisão: "Enquanto eu for presidente, não colocarei mais em votação nenhum pedido de cassação sob o manto do voto secreto", disse Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) em entrevista ao blog. "É uma maneira de eu pressionar a Casa, no bom sentido, para apreciarmos a PEC que institui o voto aberto."

Significa dizer que, se o STF confirmar as condenações dos mensaleiros com mandato, os pedidos de cassação de José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Vademar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) só serão levados ao plenário depois que for revogado o voto secreto.

Consumado o vexame da noite passada, Henrique Alves apressou-se em declarar vaga a cadeira do deputado-presidiário. Em deliberação solitária, sujeita a questionamento judicial, anunciou a convocação do suplente de Donadon, o ex-senador e ex-ministro da Previdência Amir Lando (PMDB-RO). Vai abaixo a entrevista com o presidente da Câmara:

— Quando decidiu esticar a sessão até 23h, já suspeitava que o resultado poderia ser adverso? Havia um zunzunzum no plenário. Achei importante dar mais tempo para que os deputados viessem votar. Queria que o quórum fosse mais qualificado. Mas chegou uma hora que não tinha mais jeito. Quem não foi é porque não queria mesmo votar. Tive que tomar uma decisão solitária.

— Na sua decisão solitária, o sr. declarou vaga a cadeira de Donadon e convocou o suplente. Fez isso lendo um texto preparado com antecedência. Já antevia o resultado? Passei a considerar a hipótese quando começaram a chegar a mim deputados inquietos com o sentimento que recolhiam do plenário.

— Redigiu a decisão mais cedo? Não. Foi no momento. Na hora que comecei a verificar a inquietação de alguns deputados, senti que precisava encontrar uma saída para o Parlamento. Conversei com o Mozart [Vianna, secretário-geral da Mesa]. E tomei a decisão. Posso enfrentar incompreensões. Mas decidi assumir esse ônus pensando na Casa. Devo obediência à decisão do plenário. Mas ele [Donadon] não vai ficar na prisão exercendo o mandato de deputado. Ele poderia, daqui a pouco, pedir a um juiz para comparecer à Câmara uma vez por semana. Imagine o constrangimento! Convoquei o suplente pensando no Parlamento.

— Quando assume o suplente? Já declarei a vacância do cargo, e convoquei o suplente [o ex-senador e ex-ministro Amir Lando]. Liguei pra ele. Assume nesta quinta-feira, às 15h. Na prática, o Donadon não vai exercer o mandato. Está preso. A Câmara não ficará com um deputado a menos nem Rondônia ficará sem um representante. É o que eu tinha que fazer.

— A Câmara já havia interrompido o pagamento dos salários do deputado Donadon e da assessoria dele. Tenta retomar o apartamento funcional. Esses procedimentos serão mantidos? Sim, ele permanece na situação que estava. Preso, não estará exercendo o mandato. Não há razão para ter gabinete nem funcionários. Vou manter as decisões anteriores pela simples razão de que ele não estará no exercício do mandato.

— Não receia que a Mesa diretora da Câmara desautorize sua decisão solitária? Não. O que pode acontecer é o Donadon entrar com mandado de segurança. Mas não posso pensar nisso. Tive que assumir a responsabilidade. Penso em telefonar para o presidente do Supremo [Joaquim Barbosa] para fazer um apelo. Na hipótese de haver um mandado de segurança, gostaria muito que fosse preservada a decisão que tomei como presidente da Câmara.

— Durante a votação do pedido de cassação, vários deputados sustentaram a tese segundo a qual caberia à Mesa da Câmara afastar o deputado condenado no STF. Por que o plenário foi transformado em instância revisora do STF? Não há respaldo legal para que a Mesa substitua o plenário nessa matéria. Seguimos o artigo 55, paragrago 6º da Constituição. Quando há condenação penal transitada em julgado, a decisão sobre o mandato cabe à Câmara. Tanto que alguns deputaos estão cogitando propor uma PEC [proposta de emenda à Constituição] para alterar isso. O próprio Supremo mudou seu entendimento sobre essa matéria.

— Como assim? Antes, havia no Supremo maioria a favor do entendimento de que o tribunal poderia decretar a perda do mandato de condenados. Agora, com a mudança de composição do plenário do tribunal, formou-se maioria de 6 a 4 no sentido de que a decisão sobre os mandatos é da Câmara. Aplica-se, então, o texto Constitucional naquilo que está previsto no artigo 55, paragrago 6º.

— No caso do mensalão, dependendo do resultado do julgamento dos recursos, a Câmara pode ter que deliberar sobre os mandatos de mais quatro condenados. Não receia que o resultado se repita nesses casos? Precisamos aguardar o término do julgamento. É preciso esperar pela apreciação de todos os embargos. Mas seja qual for o resultado, já tomei uma decisão: enquanto eu for presidente, não colocarei mais em votação nenhum pedido de cassação sob o voto secreto. Não há hipótese. Há em tramitação uma PEC que institui o voto aberto para esses casos. Já constituímos uma comissão especial para tratar do assunto.

— Por que essa comissão não anda? Alguns parlamentares não estão comparecendo para dar quórum. Mas eu vou acompanhar isso todo dia para ver se as coisas acontecem. Minha decisão está tomada: não colocarei em votação nenhum projeto de cassação sob o manto do voto secreto. Eu, como presidente, não farei mais isso. Com voto secreto, eu não coloco mais em votação nenhum pedido de cassação de mandato. É uma maneira de eu pressionar a Casa, no bom sentido, para apreciarmos a PEC que institui o voto aberto.

— A aprovação dessa proposta já não havia sido acertada? Você tem razão. Quando assumi a presidência da República interinamente, em junho, recebi no Palácio do Planalto todos os líderes partidários, inclusive os da oposição. Acertamos que esse assunto deveria ser posto em pauta. O acordo foi confirmado depois na reunião de líderes na Câmara. Decidimos que o fim do voto secreto para a cassação de mandatos seria votada. Todos concordaram. Selecionamos uma emenda do senador Alvaro Dias [PSDB-PR], já aprovada no Senado. Depois disso, vários partidos não indicaram seus representantes na comissão especial criada para tratar do tema. Dei um prazo. Não fizeram as indicações. Há uns 15 dias, eu indiquei os líderes e os vice-líderes. Agora, a comissão não vem tendo quórum para deliberar. Minha decisão de não mais colocar em votação pedidos de cassação é para estimular a comissão a deliberar sobre a PEC do voto aberto. É preciso que cada um assuma suas responsabilidades.

— Com 42 anos de mandato, já tinha visto coisa como um presidiário discursando da tribuna e o plenário salvando-lhe o mandato? Não. Foi um  episódio inusitado. Na época da ditadura, víamos deputados resistindo em plenário contra cassações arbitrárias. Era o contrário disso. Mas minha frustração não foi só pelo resultado. Lamentei também o quórum. Cada deputado tem o direito de votar como bem entende. Eu, como presidente da Casa, tenho que respeitar. Mas me frustrou o quórum. Havia na Casa 470 deputados. Como é que só 405 registraram o voto no painel? Esperava que todos fossem lá para dizer sim ou não. Pela importância da votação, a Casa tinha que mostrar sua posição. A ausência acentuada também é frustrante. Sobretudo porque o número de votos a favor da cassação foi o dobro da quantidade de votos contrários. Faltaram 24 votos. É frustrante.

— Acha que o prejuízo junto à opinião pública será grande? Não tenho dúvida de que haverá prejuízo. O que é uma pena. A Casa vinha se recuperando, assumindo várias posições muito positivas. De repente, vem essa decisão na contramão.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.