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Josias de Souza

EUA respondem a Dilma com uma nota chocha

Josias de Souza

12/09/2013 04h26

O vídeo acima foi ao ar na TV Brasil na sexta-feira (6) da semana passada. Como todos os meios de comunicação do país, a televisão estatal noticiou entrevista concedida por Dilma Rousseff na Rússia. Ela relatou encontro que tivera na véspera com Barack Obama. Disse que o colega americano assumira responsabilidade "direta e pessoal" pela apuração de ações de espionagem dos EUA no Brasil. Comprometera-se a dar uma solução até esta quarta-feira (11). Não deu.

A Casa Branca chegou a se manifestar sobre o tema na noite passada. A responsabilidade "direta e pessoal" de Obama resultou numa nota chocha. Assina a peça um funcionário de terceiro escalão. Chama-se Caitlin Hayden. É porta-voz do Conselho de Segurança Nacional —NSC, na sigla em inglês. O órgão é chefiado por Susan Rice, com quem o chanceler brasileiro Luiz Alberto Figueiredo se reuniu por uma hora e quinze minutos. O Planalto esperava muito mais.

No seu texto, Caitlin Hayden fez anotações dicotômicas. Numa, sustentou que algumas das informações veiculadas no Brasil "distorceram" o trabalho de inteligência feito pelo governo americano. Noutra, reconheceu que as notícias "levantaram questões legítimas para nossos amigos e aliados sobre as capacidades que são empregadas." O mais importante está nas entrelinhas: "distorcidas" ou "legítimas", as manchetes tratam de algo que a nota não nega: espiona-se.

Na entrevista de seis dias atrás, Dilma informara ter dito Obama que não estava atrás de um mero pedido de "desculpas". Achava "importante que fosse solucionado com rapidez" o problema. A nota da sub de Susan Rice não traz nada que se assemelhe a uma retratação. Limita-se a reiterar a desconversa que vem se arrastando por mais de dois meses.

Os EUA "estão comprometidos em trabalhar com o Brasil para enfrentar essas preocupações, ao mesmo tempo em que continuam a trabalhar juntos numa agenda conjunta de iniciativas bilaterais, regionais e globais", escreveu Caitlin Hayden. O texto também não menciona soluções. Em verdade, o governo americano parece não enxergar nem o problema apontado pelo Brasil. "O time de segurança nacional dos EUA está realizando uma ampla revisão para examinar as atividades de inteligência do país", anotou Caitlin Hayden.

O que se deseja, informou o texto, é ajustar essas ações para que elas correspondam ao que os EUA "devem fazer", não ao que "podem fazer". Em português: embora tenhamos poderes para violar as comunicações do mundo, não precisamos grampear Dilma e a Petrobras. Ou, por outra, devemos continuar grampreando. Só que quando grampearmos, não permitiremos mais que a notícia vaze.

Dilma tem viagem marcada para Washington no dia 23 de outubro. Na entrevista que deu na Rússia, ela condicionou sua ida à respostas de Obama. "Minha viagem depende de condições políticas. Eu quero saber tudo o que tem [sobre a espionagem feita no Brasil]. A palavra tudo é muito sintética, ela abrange tudo, tudinho. Em inglês, everything." Há mais de dois meses que Dilma tenta tudo. O diabo é que tudo não quis nada com ela.

Em Washington, o chanceler Figueiredo saiu do encontro com Susan Rice sem dar declarações aos jornalistas. Decerto não tinha o que dizer. Dilma talvez não possa silenciar do mesmo modo. Sob pena de converter sua indignação numa crise-Alkaseltzer: tempestade em copo d'água. Pode ser bom para os negócios bilaterais. Mas é péssimo para a imagem de uma recandidata que se vende como alguém incapaz de levar desaforo pra casa..

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.