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Josias de Souza

Câmara agora quer eliminar o foro ‘privilegiado’

Josias de Souza

15/09/2013 18h47

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), levará aos líderes partidários uma proposta polêmica. Em reunião marcada para terça-feira, ele vai sugerir que os deputados votem uma emenda constitucional que acabe com o foro por prerrogativa de função, mais conhecido como "foro privilegiado". Políticos e autoridades —do vereador ao presidente da República— passariam a ser julgados em ações penais por juízes de primeira instância, como qualquer outra pessoa.

"Temos várias propostas sobre esse tema, mandei levantar", disse Henrique ao blog. "Quero discutir com as lideraças nesta terça-feira. Creio que é um tema importante para a Câmara decidir. Já votamos as mudanças no rito dos vetos presidenciais, o orçamento impositivo e o voto aberto. Agora, podemos votar o fim do foro privilegiado." Corre na Comissão de Justiça da Câmara uma PEC que elimina a prerrogativa de foro apenas para deputados e senadores. Henrique quer ampliar o debate.

"Creio que é melhor discutirmos o fim do privilégio para todo mundo: Judiciário, ministros, presidente, parlamentares… Eu já era sensível ao tema. E fui procurado pelo líder do PP, deputado Arthur Lira. Ele disse que já tinha conversado com outros líderes que têm simpatia pela tese. Então, resolvi discutir isso numa reunião com as lideranças. Vou pedir que consultem suas bancadas. Sinto que é um tema que cresce na Câmara."

Noutros tempos, a iniciativa de Henrique Alves produziria aplausos instantâneos e unânimes. Hoje, muita gente leva o pé atrás. "Ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal já foi um privilégio. Depois do julgamento do mensalão, já não é bem assim", afirma o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). "Tem muita gente atenta no Congresso. Isso não passa assim tão facilmente", ele acredita.

Na quarta-feira, o STF pode enviar a execução das sentenças do mensalão para a "eternidade", como disse o próprio presidente do tribunal, ministro Joaquim Barbosa. A coisa vai às calendas gregas se forem admitidos, como tudo indica, os embargos infringentes —recursos que permitirão a 12 dos 25 condenados reivindicar a reabertura do julgamento dos seus casos. Ainda que se materialize o retrocesso, o STF ainda mete medo nos colarinhos encardidos.

Os ministros do STF acabam de condenar a 4 anos e 8 meses de cadeia, por fraudes em licitações, o senador Ivo Cassol (PP-RO). Em 14 de aogosto, o condenado chorou do alto da tribuna do Senado. Dias depois, em 28 de agosto, o deputado Natan Donadon (ex-PMDB-RO) chegou à Câmara algemado e de camburão. Sentenciado pelo STF a 13 anos de cana por desvios de R$ 8 milhões, ele está há dois meses e meio no presídio brasiliense da Papuda.

Ao discursar em defesa do seu mandato, Donadon deu aos seus pares notícias do inferno. "Estou sofrendo muito", disse. Falou das algemas e da sua primeira viagem camburão. Contou como havia sido o seu banho horas antes: "Eu tava todo ensaboado. E acabou a água do presídio. Eu tive que recorrer a um preso, do lado da minha cela. Ele tinha umas garrafinhas de água. Pedi a ele. E acabei de tomar banho com essas poucas garrafinhas que ele me emprestou."

Antes de voltar para o cárcere, Donadon cumpriu uma promessa que fizera aos colegas de presídio. Foi ao microfone de apartes para dizer: "Eles falaram pra mim assim: 'não esqueça de falar da nossa alimentação.' É muito ruim a alimentação do presídio. Não é de boa qualidade. Tenho a síndrome do intestino irritado. Associado ao estresse, tenho passado muita dificuldade lá. Tá dado o recado. Eles pediram pra eu falar. É preciso melhorar a comida dos presidiários da Papuda."

É nesse contexto que os parlamentares debatem o fim do foro privilegiado. Entre as legendas oposicionistas apenas o PSDB parece decidido a votar contra a extinção da prerrogativa de foro. "Nós não vamos apoiar isso", diz o deputado tucano Bruno Araújo (PE), vice-líder da legenda. Ele realça que o STF já foi sinônimo de impunidade quando não podia processar parlamentares senão com autorização do Legislativo. "Depois que essa autorização prévia foi eliminada, os processos passaram a caminhar. Não tem razão para mudar isso agora."

Ronaldo Caiado (GO), líder do DEM, recorda: "Os mensaleiros queriam aprovar essa proposta antes do julgamento do Supremo. Encontraram grande resistência". Caiado acha que os ventos podem virar: "Se o Supremo aceitar os recursos protelatórios, alterando o comportamento que a sociedade aplaudia, não tenho como defender a manutenção do foro privilegiado. Esses ministros do Supremo estão brincando com uma bomba de alto poder de destruição."

Líder do PPS, o deputado Rubens Bueno (PR) é autor de uma das emendas constitucionais que tratam da matéria. "Vamos votar a favor, desde que o privilégio de foro seja eliminado para todo mundo, inclusive para o presidente da República e ministros do Supremo." Os adversários da ideia argumentam que, devolvidos à primeira instância, políticos e autoridades se beneficiarão da infinidade de recursos previstos na legislação brasileira, e não serão punidos nunca. Bueno discorda.

"Quem agiliza processos judiciais no Brasil é a primera instância, composta de juízes jovens, mais determinados", diz o líder do PPS. De resto, ele pondera que a aprovação da Lei da Ficha Limpa trouxe uma novidade que conspira contra a impunidade: "Agora, se o sujeito é condenado na segunda instância, em decisão colegiada, já fica inelegível independentemente do desfecho do processo."

O senador Pedro Taques (PDT-MT) guerreia contra o foro especial desde os tempos em que atuava como procurador da República. Enxerga um quê de oportunismo no debate atual. Acha que muitos congressistas não querem senão "fugir do STF". Mas votará a favor da mudança. "É uma questão de coerência", diz Taques. "Se agisse de outro modo diriam que é porque virei senador e quero foro especial para mim."

Professor universitário, Taques ensina aos seus alunos detalhes que vêm sendo negligenciados por deputados e senadores. "No Brasil, há 16 mil juízes de primeiro grau. Prisão eles não vão poder decretar. Mas, eliminado o foro privilegiado, não haverá nada que os impeça de autorizar interceptações telefônicas e expedir mandados de busca e apreensão. Imagine o que vai ocorrer nesse país!"

A exemplo de Rubens Bueno, Taques também não aceita que o foro seja alterado apenas para congressistas. "Tem que acabar para todo mundo. Pau que bate em Chico também bate em Francisco." Como se vê, o debate puxado por Henrique Alves será animado.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.